Faz tempo que desenvolvi um ceticismo teimoso a respeito do impacto concreto da oração. Rezar com as minha filhas me ajuda bastante a continuar praticando, mas há anos perdi a conexão intensa que tinha com o divino enquanto orava. Mas o que isso tem a ver com o nascimento do nosso terceiro filho?

Reviver “dentro” as horas angustiantes do trabalho de parto do Davi ainda causa calafrios, mas partilhar tem um papel terapêutico para mim.

Tudo começou às 23:48 do dia 10 de Junho, quando comecei as registrar as contrações regulares que haviam iniciado algumas horas antes e anunciavam que o Davi chegaria naquela noite. Lá pelas 1:20 e contrações a cada dois minutos, fomos para a casa de parto onde o nosso filho deveria nascer. Chegando lá, as dores da minha esposa aumentavam e paralelamente a minha angústia em poder “somente” estar lá, sustentar com palavras de encorajamento, um copo de água.

Aqui preciso fazer um adendo a respeito de uma dimensão da minha personalidade que me causa bastante sofrimento: a necessidade de ter o controle das situações. Controlar sempre foi um mecanismo de sobrevivência para mim. Ajudou-me a lidar com as dificuldades, a superar desafios, bolar planos, encontrar soluções. Por outro lado, a falta de controle me causa bloqueio, sofrimento e, sobretudo angústia.

Foi essa angústia que senti das 1:40 até as 5:10, período em que tive que presenciar a dor da Flavia, aliada a minha impotência. Claro, sofrer psicologicamente é quase irrelevante, se comparado às ondas expulsivas dentro da minha esposa, que tentavam trazer o Davi para nós sem sucesso. Simplificando: a cabeça do Davi estava “emperrada” e o trabalho de parto não conseguia avançar.

Eu nunca tive problemas sérios em relação aos idiomas que tive de aprender ou os que unicamente entendo, como o alemão. O fato é que a situação exigia cabeça e coração em sintonia e que os nossos interlocutores não estivessem sempre se comunicando no dialeto da Suíça. Aos gritos, minha esposa foi clara: precisávamos ir para o hospital.

Enquanto percorríamos os corredores brancos da “Frauenklinik” (Clínica da mulher, em português), levantei a cabeça e percebi que já eram 5:10. Coração e pernas já estavam exaustos. Entramos em uma das salas e lá, cinco profissionais da saúde nos esperavam para tentar ajudar no parto. Tentativa após tentativa, agora com a Flavia sedada, ficava claro para todos que o Davi não sairia naturalmente do ventre da sua mãe.

E aqui as orações escalaram dentro de mim. Diante da minha impotência, do desespero interior por agora entender pouco ou quase nada do que as médicas e enfermeiras conversavam, me senti como o Cristo que sempre acreditei: abandonado. Ali, “sozinho”, pedia Luz naquele longo e aterrorizante túnel. Paradoxalmente, encontrei forças ao pensar em todas as pessoas que sempre estiveram conosco e que, naquele momento, faziam da minha solidão, multidão.

Finalmente, uma jovem enfermeira chegou até nós e apresentou os termos de consentimento para a iminente cesariana. Eu e a Flavia nos olhamos, esgotados, incapazes de refletir alternativas. Só me lembro de a Flavia dizer que queria que o bebê viesse para os nossos braços assim que nascesse e que aquilo era muito importante para nós.

Parece que ali uma das médicas entendeu que uma cesariana seria a última alternativa para nós. E então nos disse que tentaria uma última manobra antes de irmos para o centro cirúrgico. Ali as esperanças se renovaram. Entendi que deveria aumentar meu encorajamento. Ainda dava.

Manobras, extrator a vácuo e as 6:11h do dia 11.06, depois de três longas contrações e um esforço heróico da minha esposa, finalmente nos encontramos com o nosso Davi.

Vê-lo nos braços da Flavia parece que acionou o botão de desarme dentro de mim. Lágrimas de desespero, alivio, exaustão, gratidão. Aconteceu inesperadamente o milagre que precisávamos.
Absolutamente nada foi como esperávamos, mas no final, fruto de decisões e ações corajosas: das médicas de tentar, da Flavia empurrar e eu, orar, o Davi estava lá nos nossos braços.

Muitas coisas aconteceram após o nascimento no hospital aqui na Suíça. O sentimento de invisibilidade ao acompanhar o meu filho sozinho na neonatologia e assistir a intervenções nele sem que os cuidadores sentissem a necessidade do meu consentimento.

Foi um dia mágico e ao mesmo tempo doloroso. Um dia em que as lágrimas vinham e voltavam. Elas ainda escorrem interiormente.

Porém, apesar de tudo, quero muito que fique o registro do poder da oração, do “entregar nas mãos de Deus” e acreditar que o Ele está, como sempre esteve, com a nossa família.