tomada-de-decisão-evolução-humana

– Oi…!- Oi!

[Os dois sorriem e se cumprimentam com um abraço.]

O elevador segue em direção ao térreo. Passam pela catraca e se despedem:

– Eu vou por ali.

– Ah tá. Tchau!

Não, não são amigos (ainda). Mas trabalham juntos.

No dia da entrevista a vida de um deles se modificou. Foi como se um horizonte se abrisse em meio ao turbilhão de emoções que vinha sentindo. Enquanto ele contava um pouco de sua história, a vida dela passou como um flash diante de seus olhos. Ao se despedirem, a jornalista sorriu e o agradeceu (inconscientemente) por ter lhe concedido pouco mais de uma hora do seu dia para ajudá-la. Sem pressa.

Num mundo como o de hoje onde as pessoas definem caminhos para ir e voltar, é praticamente impossível “perder” tempo para escutar o próximo. Que dirá prestar atenção ao que diz o amigo. Do interlocutor só visamos consumir àquilo que nos agrada e, conseqüentemente, que é do nosso interesse.

– Porque você sempre ouve essa coisa: sua vida pode acabar de uma hora pra outra. Essa é a coisa mais normal. Se hoje você está num lugar “tal”, amanhã é capaz que as coisas mudem. Quando você vê aquilo, transforma a sua vida de uma forma absurda.

A entrevista já tinha começado, mas a gravação partiu desse ponto – da chegada à Indonésia alguns meses após o Tsunami ter devastado a região. A seguir, o estudante de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Valter Hugo Muniz, 23, relata o que viu.

– Pra mim foi muito forte chegar na Indonésia. Depois de ter uma vida abundante vivendo na Europa, e até aqui [no Brasil], eu nunca passei necessidade de nada (…), nunca passei fome, sempre tive saúde, sempre estudei. Por isso eu me considero uma pessoa rica. Mas aí você chega naquele lugar, destruído, vê uma cidade que virou deserto… Aí é o que eu sempre lembro quando conto a história da Indonésia. Bem no lugar do Tsunami, a primeira cena que você tem são as palmeiras, você chega na cidade é só palmeira… Acabando as palmeiras você vê um deserto e a cidade. Eu lembro que tinha um navio, gigantesco. Eu olhei e falei: “o que que é aquilo?” Porque você não consegue imaginar que isso é concebível. Imagina, a gente tá aqui, muito longe de Santos, chega na Paulista: tem um navio. É uma coisa inconcebível. Você só vai pensar nisso num filme. Acho que eu fiquei tentando entender o que era aquilo, porque você olha e não vê o mar. Você olha aquilo e fala: “o que que esse barco tá fazendo aí?” A partir daí você começa a entender a dimensão da coisa. (…) Um navio gigantesco no meio da cidade, em cima de cinco casas, a sete quilômetros de distância do mar. Você fica imaginando que esse navio nunca vai estar na praia, mas pelo menos uns três quilômetros pra dentro do mar, assim você tem a noção do tamanho da onda, do que a onda fez. Eu fiquei assustado, tirei um monte de foto. Fiquei muito impressionado.

O estudante e seus amigos continuaram seu percurso, quando um senhor bateu na janela do carro:

– Oi, tudo bem? Eu queria contar a minha história. Eu vejo que vocês não são daqui.

Em inglês, prosseguiu:

– É o seguinte: eu morava ali, num vilarejo com a minha família quando a gente decidiu que precisava comprar coisas pra casa, como comida. Eu falei, bom vou lá pra dentro do continente, compro as coisas e volto. Mas aconteceram alguns problemas e eu tive que ficar dois dias por lá. E aí aconteceu o Tsunami. Quando eu voltei, a minha família tinha morrido.

– Tá, mas (…) daí eu [Valter] pensei: quantas pessoas perderam a família ali? É um raciocínio que você já faz: “ah, grande coisa que a sua família tinha morrido”.

O senhor continuou:

– É, minha família tinha morrido, meus tios, meus sobrinhos, minha avó, minha mãe, meu chefe, meus vizinhos… Morreu todo mundo. Meu vilarejo tinha 500 pessoas e ficaram 50.

– Aí o cara te conta isso. Ele devia ter uns 40 anos. Imagina você com quarenta anos, perdeu tudo, perdeu o trabalho (…). O que esse cara vai fazer da vida, de agora em diante? Que motivos ele vai ter pra viver? Não tem motivo mais pra ele viver. Ele perdeu todo mundo! Eu fiquei tão chocado com aquilo que comecei a pensar nas coisas que eu tinha na minha vida, em tudo que eu tinha construído, na minha família, nas coisas que eu sempre dei valor, [como] faculdade. Isso, de uma hora pra outra, concretamente, pode ser tirado da minha vida. (…) Porque quando você fala isso e não vê é uma coisa inalcançável. A partir do momento que você vê aquilo, começa a dar valor e a pensar que “eu não vivi ainda”. Porque a que coisas eu dei valor? Aquilo me acabou, me fez repensar toda a minha vida. Eu preciso começar a viver por coisas que realmente valham a pena. Por coisas menores, as coisas mais essenciais, como, por exemplo, os relacionamentos que eu construo, as pessoas, sabe, de não perder a oportunidade de conhecer profundamente uma pessoa.

Eu o interrompo e o questiono se ele já não vivia dessa maneira. Ele diz que sim, ou melhor – achava que vivia.

– (…) Ou vivia meio que por formação familiar. Eu sempre tive essa formação, de querer o bem do outro, mas era uma coisa quase osmótica. Desde pequeno a gente [Valter e suas irmãs] sempre foi católico. Mas é uma coisa assim, tradicional né.

O aspirante a jornalista abordou o assunto no texto de abertura de seu blog, Escrevo Logo Existo – eLe -, em 24 de agosto de 2006 e nos ajuda a entender um pouco o por quê de sua escolha pela profissão:

“(…) Desde sempre fui um apaixonado por relacionamentos.Estar com as pessoas, ter muitos amigos, conversar, até por carta ou por telefone, sempre foi algo que fiz. Relacionar-me incutiu aos poucos em mim (…) a importância de [me] comunicar bem, de ser claro, profundo, para poder compartilhar melhor aquilo que vivo e experimento.”

Diz ainda que a certeza pelo jornalismo se deu no Ensino Médio e que diversos autores, como Luís Fernando Veríssimo e Rubem Alves encantaram-no o estimularam a escrever. Mas para Valter, as palavras não são meras ferramentas de trabalho. Para ele, “escrever sobre o mundo é uma ação concreta (…)” e foi nesse momento que Antônio Abujamra contribuiu para o futuro desse jovem sonhador.

“O seu questionar, comunicar o diferente, preocupar-se com o indivíduo, sem motes preconceituosos como o ‘conceito de massa’, me impulsionou a refletir, a procurar soluções, a olhar para mim mesmo e ver o que poderia fazer de forma concreta. Quis fazer igual”, conclui ele em seu diário virtual.

Embora ele acreditasse em todos esses valores, ainda não era algo incorporado. Depois de ter passado 19 meses morando na Europa e um na Indonésia, ele pôde experimentar isso. As coisas passaram a ter um sentido e foi possível perceber que não existe uma resposta para o mundo ser melhor. Sua grande descoberta foi entender que, como religião não é definidor de personalidade nem de caráter, a fé nos ajuda a sermos o que desejamos. A igreja e o fato de ser católico o ajuda a ter forças para não desistir.

– Aquilo foi o momento “X” da minha vida. Eu preciso viver por coisas que tenham esse sentido maior. Ou eu vivo por isso, ou eu corro o risco de ter uma vida vazia.

Não, Valter. De vazia a sua vida não tem nada – e nem poderia. É claro que o rapaz simpático e sorridente, com jeito de menino sapeca num corpo de homem feito, não deve ser rotulado de “estudante universitário, trabalhador, namorado, filho, jovem…”. Deve, contudo, ser lembrado por sua capacidade de cativar as pessoas e agregar valores às suas vidas. Alguém que consegue encantar e conquistar amigos por meio de um blog, bem como de textos inspirados em uma simples dor de barriga ou apenas com um “ganso” não pode ter uma vida vazia… Você é mais do que isso.