Falar sobre racismo sempre foi algo estranhamente distante para mim. Apesar de ter crescido em um ambiente jocoso em relação a minha cor, raras foram as situações em que me percebi inferior, simplesmente pela cor da minha pele ou por ocupar um espaço que não correspondia às expectativas dos brancos. Foi assim na escola, na universidade, na Igreja ou no mercado de trabalho, apesar de nunca ter encontrado um negro ocupando uma posição de liderança nesses ambientes para me espelhar.

A primeira vez que fui vítima do preconceito racial foi em uma das escolas particulares em que estudei. Durante um debate sobre as eleições daquele ano fui ridicularizado em voz alta por uma colega branca por não apoiar um determinado candidato que era preto como eu. Senti-me humilhado diante dos meus colegas, mas engoli a ofensa sem saber que estava sendo vítima de racismo. Muitos anos depois, dessa vez na Itália, fui ofendido e maltratado por suspeita de furto em um supermercado em Figline Val d’Arno. Um sentimento de indignação e desrespeito difícil de explicar.

Ontem foi ao ar o episódio sobre Racismo Estrutural do canal do YouTube Papo Objetivo em que fui convidado a partilhar minhas vivências como preto fora do Brasil. Essa foi a primeira oportunidade de externalizar publicamente o que venho descobrindo há alguns anos: a importância da luta pelo reconhecimento e a igualdade de direitos dos pretos, o valor da reparação histórica e, principalmente, a compaixão comigo e com todos aqueles que não sentem na pele as consequências do racismo estrutural.          

Um dia desses, aqui na Suíça, estava sentado em uma mesa repleta de pessoas brancas, discutindo sobre o racismo de forma inflamada, cheia de propósito. E eu estava lá, ouvindo tudo. Ninguém em momento algum pensou em me perguntar sobre a minha experiência enquanto negro. Por outro lado, era bonito perceber uma preocupação comum em todos de se tornarem pessoas melhores, mais conscientes do racismo estrutural.

Ao tomar a palavra, ressaltei a importância de enfrentar o racismo com a perspectiva do encontro. Não basta limitá-lo a uma discussão puramente intelectual. É preciso ir de encontro ao preto, à preta, à cultura preta, à arte preta. Eu sempre me pergunto: quanto amigos pretos as pessoas brancas têm? Quanto da cultura preta, da arte preta as pessoas conhecem? Quais dos autores e autoras pretas as pessoas já leram? No encontro a gente descobre as belezas e os limites do outro, profundamente diferente de nós, e a partir dele ampliamos a nossa percepção desse outro, ficando mais atentos para não o ferir ou ofendê-lo. 

Paralelamente, é fundamental educar as novas gerações para uma cultura antirracista. Temos o desafio de ajudar as meninas e meninos pretos a serem apresentados à questão racial não a partir do racismo, da violência. Eles precisam internalizar a sua negritude enquanto potência, como disse a jornalista Adriana Couto, durante o programa Roda Viva com o rapper Emicida.

O caminho antirracista é um caminho de luta quotidiana, mas que precisa ser feito com profunda compaixão e respeito. É preciso uma evolução que desça da cabeça e chegue aos braços e ao coração.