Homenagem à Eloá feita pelo chargista Marco Aurélio, do jornal Zero Hora

Homenagem à Eloá feita pelo chargista Marco Aurélio, do jornal Zero Hora

Entre os 83 pacientes na espera para o transplante do pulmão estava uma adolescente que acabara de completar 18 anos. Paula Faud Bichara tinha Fibrose Cística, uma doença genética com graves complicações no funcionamento dos sistemas respiratório e digestivo. A garota havia se mudado para a capital paulista em março de 2007, onde ocupava o primeiro lugar na lista de espera para o transplante de pulmão, necessário para um possível prolongamento da sua vida.

Porém a espera que durou um pouco mais de um ano não foi suficiente. O pulmão não veio. Em julho deste ano a garota faleceu na UTI do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, com a falência do órgão já debilitado pela doença.

Nas últimas semanas, um pouco mais de 2 meses após o falecimento de Paula Bichara, a também adolescente Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, recebeu um tiro na cabeça do ex namorado, no assassinato que foi acompanhado pelo país inteiro, por meio da cobertura massiva da mídia brasileira.

Após a prisão do seqüestrador e da remoção das vítimas, a menina foi imediatamente encaminhada para o hospital e lá permaneceu por 12 horas. Após muitas tentativas dos médicos para salvar a garota, foi enfim declarada a morte encefálica de Eloá.
Logo em seguida, uma equipe de especialistas do Instituto Dante Pazzanese examinou amostras de exames clínicos e laboratoriais da garota e atestou a possibilidade dela doar as córneas, o coração, os pulmões, o pâncreas, o fígado e os rins.

Algumas horas depois a família da adolescente assinou os documentos que formalizaram a doação. Um gesto simples, talvez nobre, da família de Eloá, que possibilitou a salvação de outras cinco pessoas que receberam seu coração, pulmão, rins e pâncreas.

“Assim que o Emerson tiver alta a gente quer encontrar com a mãe de Eloá pessoalmente e agradecer. Ela ganhou um filho. Agora, para nós, ela faz parte da família também”, afirmou Edmilson Gentil Dardis, irmão do mecânico Emerson Dardis, paciente de 25 anos que recebeu o pâncreas e um rim de Eloá. O outro rim da garota está num rapaz de 15 anos.

O Sistema Nacional de Transplantes

A vida e a morte são grandes incertezas para quem está aguardando um órgão para o transplante.

O Sistema Nacional de Transplantes foi criado em 1.997 e, de acordo com as informações disponibilizadas no site do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br), tem como prioridade, “evidenciar com transparência todas as suas ações no campo da política de doação-transplante, visando primordialmente à confiabilidade do Sistema e a assistência de qualidade ao cidadão brasileiro”.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil possui hoje um dos maiores programas público de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. Com 548 estabelecimentos de saúde e 1.354 equipes médicas autorizadas, o Sistema Nacional de Transplantes está presente, através das Centrais Estaduais de Transplantes (CNCDO’s), em 25 estados da federação.

Transplantes

Os transplantes são realizados, somente, quando outras terapias já não dão mais resultados. Para alguns, como no caso da Paula Bichara, é o único tratamento possível que possibilite continuar vivendo.

Segundo especialistas o coração, o pâncreas e pulmão são os órgãos que menos tempo podem esperar para serem transplantados. O intervalo máximo entre a retirada e a doação não deve exceder quatro horas, mas o ideal é que as duas cirurgias ocorram simultaneamente. Já o Fígado resiste até 24 horas fora do organismo e o tempo de espera para o transplante de rim pode ser de 24 a 48 horas. A Córnea pode permanecer até sete dias fora do organismo, desde que mantida em condições apropriadas de conservação.

Estudos realizados na Universidade Federal de Pernambuco apontam que a probabilidade do doador e o receptor serem compatíveis, em termos de tecidos (histocompatibilidade), caso sejam irmãos, é de 25%. Entre não parentes esta chance diminui para um valor entre 1 em 10.000 até 1 em 100.000. Além disso, é importante considerar que o doador dever ser uma pessoa cujo órgão a ser doador tenha peso e tamanho semelhante ao do receptor.

Após o transplante, os receptores devem tomar diversos medicamentos, principalmente para evitar a rejeição, pelo resto de suas vidas. As estatísticas mundiais mostram que a maioria (mais de 80%) das pessoas que receberam um coração por transplante, por exemplo, retornam as suas atividades anteriores.

Doadores

Mesmo com um Sistema de transplantes moderno e bem estruturado, alguns mitos ainda impedem que o número de doadores de órgãos aumente no país. A idéia de que muitos médicos agem com displicência e precipitação ao declarar o óbito do paciente, visando o possível beneficiamento de outros que estão na espera de um transplante, é uma das histórias mais comuns que podem ser ouvidas entre as pessoas.

Uma das principais instituições nacionais engajadas em promover a doação de órgãos é a Organização Não Governamental ADOTE – Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos, que, segundo a sua assessoria de imprensa “pretende organizar e divulgar em linguagem comum o conhecimento disponível sobre o processo de doação e transplante de órgãos no Brasil”.

Segundo a visão da ADOTE, o transplante é “a tão esperada resposta para milhares de pessoas com insuficiências orgânicas terminais ou cronicamente incapacitantes. O trabalho desenvolvido pela ONG mostra que “a questão da escassez de órgãos para transplantes, mais acentuada no Brasil do que em outros países, somente será resolvida através de um intenso esforço de educação de toda a sociedade, incluindo, em curto prazo e em especial, os profissionais de saúde, atores que dão início e finalizam o processo”.

Para se tornar doador é necessário somente manifestar o desejo diante dos responsáveis legais (geralmente pais) ou alguém da família. Não é necessário deixar nada por escrito e a doação de órgãos pode ocorrer a partir do momento da constatação da morte encefálica. “Em alguns casos, a doação de alguns órgãos, como Rim e parte do Fígado, pode ser feita em vida, em caso de parentesco até 4ºgrau ou com autorização judicial (não parentes)”, informa o site do Ministério da Saúde.

Pessoas portadoras de doenças infecciosas incuráveis, câncer ou doenças que pela sua evolução tenham comprometido o estado do órgão, não podem doar seus órgãos. Também não podem ser doadores pessoas sem documentos de identidade e menores de 21 anos sem a expressa autorização dos responsáveis

Números

Atualmente existem mais de 15.000 pessoas cadastradas na lista de transplantes de órgão, só no estado de São Paulo. Já no Brasil, o número total de pacientes que esperam algum órgão chega a quase 70.000. Os órgãos mais requisitados para transplante são as córneas e os rins e somente em dois estados (Roraima e Tocantins) não existem Centrais Estaduais de Transplantes. Além deles, o Amapá ainda não possui pacientes em lista de espera, por não ter serviços de transplantes credenciados.

Nos últimos 8 anos foram realizados quase 100.000 transplantes de órgãos no país, sendo que somente no primeiro semestre de 2008 foram contabilizados 8365 transplantes.

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde o grande problema da baixa disponibilidade de órgãos para transplante é decorrente da falta de notificação do diagnostico de morte encefálica às Centrais de Transplante. Assim, quase 60% dos possíveis doadores são desperdiçados.

Segunda chance

“Paulinha [Paula Fuad Bichara] viveu seus 18 anos de vida plenamente”, diziam os amigos e familiares. Dançava, brincava, estudava, como todas as garotas de sua idade. A única diferença eram as debilidades físicas, a necessidade de uma grande quantidade de medicamentos e “visitas” periódicas à UTI do Instituto da Criança, no Hospital das Clínicas.

O seu pulmão não chegou a tempo, mas entre os parentes e amigos permaneceu a sensação de uma vida bem vivida.

Porém, a vida da menina Eloá durou 15 anos completos de muita saúde. O imprevisto de sua morte proporcionou paradoxalmente dor e alegria, como aconteceu com a menina Bichara. Porém o “resquício” de vida de Eloá possibilitou uma segunda chance a uma jovem de 18 anos, que foi operada no Instituto do Coração (Incor) e agora respira com os dois pulmões da garota.