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Acordei lembrando que deveria escrever uma crônica feliz pro programa de rádio. Mas descendo os degraus das escadas do condomínio, encontro o filho de uma doméstica chorando por não querer ir novamente pra escola.

“Mas filho, pare logo de manha, você precisa estudar pra não ser um nada como a sua mãe!”
“To cansado de apanhar dos moleques da minha sala e a professora, não ensina mais nada de novo, porque os bagunceiros não deixam”.

Sim, foi só uma troca rápida de frases, mas senti uma singela tristeza, sabendo que das crianças é que se desenha o futuro da sociedade.

Caminhando e desviando das inúmeras fezes dos cães da burguesia, sinto vergonha em ver um senhorzinho limpado a sua bengala daqueles dejetos animais que imundam as calçadas do meu bairro. Porém, ainda tinha na cabeça a idéia de fazer a tal “crônica feliz”.

Pego o ônibus para ir ao trabalho, lotado, apertado, sinto-me desumanizado.
As pessoas irritadas, cansadas, sofrem, sufocadas no “busão” que segue rumo ao centro.
“Do que você ta rindo? Perdeu alguma coisa?”, é o insulto que ouço do jovem que está em pé na minha frente.

A indignação só acaba quando chega a compaixão.
Um acidente de moto, deixou estirado e ensangüentado o motoqueiro e seu filho, sem capacete, que, pela mochila nas costas e pelo horário, se dirigia para a escolinha.

Feliz! Feliz! Eu pensava! Numa auto – violência, estupro mental, para tentar descobrir coisas boas nesse mar de indiferença.

O tempo e o trânsito parados me fazem cair em um “quase desespero”, pois agora arriscava perder o emprego. Os minutos iam passando e eu pensava somente no ponto. Não poderia chegar atrasado novamente.

Desço do ônibus correndo, empurrando quem está a minha frente, passo o sinal vermelho, quase perco a vida, mas não consigo chegar a tempo.

Ao entrar sou avisado que a chefe me espera em sua sala e quando entro a notícia: “Pode ir embora e não precisa voltar mais, hoje você terá uma tarde livre, uma tarde feliz”.

Voltei caminhando… “e as pessoas não entendem o porquê de não conseguir escrever uma crônica feliz”.