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O grito

O grito

Há algumas semanas atrás perdi a cabeça e gritei (gritar mesmo!) com a minha filha de dois anos. Acho que posso dizer que fui uma criança, um jovem e sou um adulto muito amado. Claro que sofri algumas vezes com a violência de uma educação disciplinadora, mas isso não justifica a minha atitude com a pequena Tainá, ainda aprendendo a lidar com os próprios sentimentos e frustrações.

Comportar-me daquela maneira mexeu comigo por dentro. Foi mais uma descarada revelação da paternidade sobre mim e os meus limites.

É muito prazeroso e confortável perceber que tudo está sob controle. Ao menos para mim. Talvez por isso a consciência de ter perdido as estribeiras tenha me abalado tanto. O meu grito de descontrole me fez entender o real valor de uma vida equilibrada, ainda mais quando os filhos são pequenos e necessitam de energia extra dos pais para superar os desafios da primeira infância.

Aquele grito ecoou de volta para mim. Revelou-me um pouco mais quem sou e me ajudou a rever algumas das minhas escolhas fundamentais.

Pai, especial

Poder participar da geração de um novo ser foi, sem sombra de dúvidas, um dos presentes mais lindos que a vida me deu. Ser pai é, a priori, viver eternamente grato por ver frutificado o seu amor mais puro e verdadeiro.

Mas e depois? O que sobra? Fraldas sujas? Banhos? Gorfadas, babadas, xixizadas e cocozadas? Mesmo que esses sejam elementos cotidianos da paternidade real, ser pai vai muito além. Viver a paternidade é mais um convite que a vida nos faz para sermos homens melhores.

A primeira descoberta que fiz nas primeiras semanas de vida da Tainá foi que a minha grande ocupação seria tomar conta da principal cuidadora da minha filha: a mãe dela. Claro que logo que a Tainá nasceu procurei me fazer útil da melhor forma possível, com a troca de fraldas e tudo mais, mas ela precisava sobretudo da mãe, fonte de calor e de alimento. Enquanto isso a Flavia ainda estava bem fragilizada. Fisicamente cansada pela intensidade do parto, lidando com o desconforto das feridas e sobretudo a descarga hormonal que causava exaustão. Ali se apresentou a minha primeira chance de ser pai.

Aquele insight me fez descobrir que, se minha esposa está bem, feliz, descansada, a família inteira fica em paz. Dessa forma, desde o início tenho procurado exercitar a paciência, duplicar o cuidado e a atenção para que a Flavia esteja bem.

Outra importante descoberta é fruto de uma minha reflexão recente sobre a construção de vínculos com os filhos. Enquanto as mães ganham uma « ajudinha » da natureza com a gestação, a amamentação, os pais são jogados à deriva, sozinhos, nesse oceano agitado da paternidade.

Mas será mesmo que não recebemos nenhum sinal interior? Para falar a verdade, acredito que não. Talvez isso explique o porquê de vermos muito mais pais que mães abandonando seus próprios filhos. Por outro lado, vínculos que ficam para vida e sobrevivem ao tempo, como amizades de infância, casamentos, entre outros, precisam conter um elemento fundamental, que também existe na paternidade (e em outras fases da maternidade): a escolha.

Ser pai é viver diariamente a escolha de querer, do fundo do coração, construir e fortalecer os vínculos com os filhos. Não existe romantismo ou impulso interior. É escolha pura, que me faz sentir, de certa forma, especial. Troco fraldas, dou banho, faço dormir, me sentindo profundamente feliz. Não faço porque é minha obrigação, mas porque são as únicas oportunidades que tenho para, diariamente, fortalecer a relação com a minha filha.

Investir em vínculos tem tornado a minha paternidade ainda mais completa. Sinto que posso amar mais, curtir ainda mais minha família e renunciar outras coisas sem arrependimentos. Quando entro em casa deixo todo o resto do lado de fora, para poder dar o meu melhor para minha família.

Porém, pai só é pai se tem filha (o). E a minha filha é um ser maravilhoso que vou contar um pouco mais no próximo texto.

 

A chegada da Tainá – Parte um: Preparação

Quando minha esposa gritou: “Hugo! Vem aqui! Rápido” e juntos percebemos que o tampão tinha caído, senti uma serenidade gostosa fruto da minha preparação e a alegria de que logo (mesmo não sabendo quão logo) conheceríamos a nossa filha.

Se tem algo que considero um valor e que procuro colocar em prática na minha vida, desde menino, é estar preparado. Estudo, carreira profissional, relacionamentos… em todos os aspectos e momentos da minha história sempre tentei fazer bem o que me cabe, acreditando que Alguém irá cuidar daquilo que não tenho controle.

Não vou esconder que, de certa forma, preparar-me sempre me proporcionou o controle das minhas emoções, diminuiu meu medo e criou o espaço necessário para viver plenamente cada momento.

Na tarde que antecedeu aquele grito, estávamos caminhando em Zurique, passeando para aproveitar o dia bonito e a presença da minha mãe, que veio para viver junto com a gente essa nova experiência. Foi um dia gostoso e tranquilo. À noite, fomos visitar a família da madrinha da Flavia que logo ao ver o barrigão disse que ela ainda deveria esperar alguns dias pois a barriga ainda estava “alta”. Passamos uma noite super agradável até que aquele “Hugo! Vem Aqui!”, acelerou o coração dos presentes.

É realmente reconfortante sentir-se preparado. Aqui na Suíça frequentamos um curso para “grávidos” que nos fez percorrer, junto com outros três casais, a jornada do nascimento e dos primeiros cuidados. Foram horas repletas de informações úteis e descobertas extraordinárias, ao menos para mim que sou o pai.

Li quatro livros sobre paternidade, parto, gravidez para entender bem os sentimentos da minha esposa, os meus e da nossa filha. Assistimos também o documentário “O Renascimento do Parto”, que me ajudou a desmistificar os perigos do parto natural, que é o mais comum na Europa (mesmo se descobri que a Suíça é o país campeão de cesarianas do continente).

Lá da casa da madrinha da minha esposa ligamos para a casa de parto e eles recomendaram que voltássemos para casa da minha sogra o quanto antes para relaxar e ver como as coisas se desenvolveriam.

Eram umas 21:00. As próximas horas seriam bem mais intensas do que eu poderia imaginar. E assim outro valor passou a ser fundamental: a cumplicidade.

Elena

Um grande amor pela pequena Elena

Há poucos meses descobri que serei pai e, de repente, tive de me deparar com um aspecto da minha humanidade até então desconhecido. Perceber o apressado desenrolar das semanas e vivenciar o milagre do desenvolvimento de uma nova vida humana têm sido uma experiência emocionante, mas que também traz novos medos. Será que serei capaz de prover o essencial para minha família? Conseguirei transmitir os valores que recebi dos meus pais, da minha cultura, para minha filha?

Independente do que ouça ou sinta, sei que essa nova perspectiva tem se revelado porque eu e minha esposa tivemos a coragem de escolher viver a maternidade/paternidade, mesmo em tempos tão difíceis. Essa escola de vida também me ajuda a entender a verdadeira extensão do que significa amar alguém.

Recentemente, me deparei com um exemplo bonito, dolorido e verdadeiro que ilustra concretamente esse amor tão particular de pais para filhos. Pouco antes de sua filha completar um ano, meus amigos Carla e Léo perceberam que a pequena Elena não reagia aos estímulos sonoros. Baterias e baterias de exames e com a suspeita de deficiência auditiva confirmada, a vida dos dois deu uma reviravolta. De longe tenho acompanhado a difícil batalha deles para encontrar cuidados apropriados e alternativas médicas que permitam solucionar o caso da Elena. Quanta dor! Mas que luta incrível!

Após muita procura, Carla e Leo descobriram que a única possibilidade de a Elena ouvir é uma cirurgia de implante de tronco cerebral (ABI), que poucos médicos fazem no Brasil e nenhum deles tem resultados satisfatórios no procedimento. A busca incansável levou-os a conhecer um médico na Turquia com mais experiência neste tipo de cirurgia, o que aumentaria muito as chances de uma resposta positiva após o implante. Assim começou uma nova etapa na vida dos dois, com dezenas de atividade para angariar fundos para custear a cirurgia.

Arriscaria dizer que, se não estivesse no advento de me tornar pai, dificilmente entenderia o porque de tanto sacrifício. E se nunca conseguirem os 320 mil reais da cirurgia na Europa? E se o dinheiro chegar, qual a garantia de que a operação vai dar der certo?

Claro que não existe resposta segura para nenhuma dessas perguntas. Mas é isso o que realmente importa? Independente do que o futuro reserva para a pequena Elena, a experiência que está sendo feita ao redor dela já é uma das maiores lições de amor mais genuínas que ela poderia receber. Amor que contagia e que extrapola os limites do lar da Carla e do Leo, cria um sentido profundo de comunidade e move aqueles que estão ao redor da jovem família.

Acredito muito nesse Amor e deixo-me ser movido por ele. Assim, mesmo à distância, encontro-me diariamente com os meus amigos de São Roque.

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Quer ajudar concretamente a pequena Elena? Visite a comunidade do Facebook «Ajude Elena» e veja as inúmeras possibilidades de contribuir.

Lei o artigo do G1 sobre a Elena AQUI 

O beijo de Deus na alma

beijo de Deus

 

Alguns minutos após publicar a mensagem acima, tive meu perfil do Facebook invadido com centenas de curtidas e dezenas de mensagens de amigos de todas as partes do planeta. Fiquei espantado com as palavras de carinho até mesmo de gente que não vejo há muito tempo.

Viver pelos outros tem sido o projeto de vida da família que eu e minha esposa Flavia estamos construindo juntos. Foi esse o grande fundamento das nossas escolhas até aqui. Foi também o motivo que nos levou a casar e começar nossa vida em família no Brasil. Dois anos depois, fez com que deixássemos tudo para uma missão de três meses na Costa do Marfim e em seguida voltar para Suíça para estarmos próximos da “outra” família e para que a Flavia fizesse o mestrado dela e assim poder servir melhor a sociedade.

Através dos nossos trabalhos e em família optamos pelas pessoas. Porém, vivenciar o desenvolvimento de uma “pessoinha”, fruto do nosso amor, no ventre da minha esposa tem sido algo tão incrivelmente maluco que eu só consigo pensar em uma palavra quando tento traduzir essa experiência para as pessoas próximas: milagre.

Estou procurando me preparar para viver bem esse período. Sou do tipo de pessoa que gosta de ler, ouvir o testemunho de outros casais, para que tudo transcorra da melhor maneira possível. Contudo, a falta de certezas e também o fato de ainda não poder sentir fisicamente a presença da minha esperada filha obriga-me a confiar Naquele que sempre conduziu os nossos passos.

Uma lembrança marcante não tem saído do meu coração ultimamente. Há quase um ano, tivemos o privilégio de estar próximos de um casal de amigos-irmãos brasileiros no momento em que eles se tornaram pais. No dia seguinte ao nascimento, ainda no hospital, nos encontramos com o novo pai que, com lágrimas nos olhos, traduziu aquela experiência com a seguinte expressão: “um beijo de Deus na alma”.

Olhando para os rostos daqueles amigos tão amados e sua filha senti uma onda de felicidade indescritível. No fundo eu sabia que só entenderia tudo aquilo quando fosse a minha vez. Falta pouco, mas não vejo a hora de eu também ser beijado na alma.

 

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