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A “alma” da informação

E o lado positivo

Há alguns meses, tive um pequeno desentendimento com a pessoa responsável por um veículo de comunicação onde colaboro. Coisa que acontece, mas que além de distanciar duas pessoas pode, sem dúvidas, afetar o produto final.

Pois bem, uma das grandes descobertas profissionais que tive nos últimos tempos é que qualquer produto de comunicação tem uma “alma”. Não no sentido platônico, uma essência perfeita que se configure no “Além”, mas uma dimensão que “transcende” o emaranhado de palavras e frases e que, fundamentalmente, “toca” o receptor da informação.

Desta forma, o conflito com um colega de profissão, partícipe direto de um projeto comunicativo em comum, se não resolvido, pode sim influenciar negativamente essa “alma” do material produzido. Nas dinâmicas de elaboração do conteúdo, mesmo que este seja perfeito na “forma”, se “plasmado” em um ambiente negativo, ele se torna incapaz de “mover” positivamente o receptor.

Pode-se então afirmar que o contexto em que uma informação é produzida condiciona a expressão ou anulação dessa “alma”. Assim as “leituras”, as “intuições” e mesmo o método devem levar em consideração esse fator, difícil de mensurar, mas não impossíveis de perceber.

A “alma da informação” transforma a simples transmissão em verdadeira comunicação, no que diz respeito a “actio communio”, ação de colocar em comum, partilhar, em vez de querer impor, “pautar. Os “fins” tem sim relação de reciprocidade com os “meios”.

Superando a cacofonia da Babel

babel

Nos estudos que fiz durante a produção da minha tese de laurea magistrale, um dos aspectos que mais refleti foi a respeito da “incomunicação” existente no contexto atual. Mesmo em um mundo que, segundo Wolton, “todo mundo vê tudo, ou quase tudo”, não se compreende melhor aquilo que acontece. “A visibilidade do mundo não basta para torná-lo mais compreensível”, afirma o comunicólogo francês.

Wolton explica que o fim das distâncias físicas proporcionadas pela globalização revela, na verdade, “a incrível extensão das distâncias culturais”. Mesmo que as técnicas sejam homogêneas, o mundo preserva sua essência heterogênea.

A sonhada “Aldeia Global” apresentada pelo pensador canadense Marshall McLuhan é, na verdade, “cacofonia de Babel”.  Para Wolton “hoje a facilidade de comunicar dá o falso sentimento de que seja mais fácil compreender-se”. Contudo, nas pontas dos canais e redes de comunicação, encontramos frequentemente a incompreensão, para não dizer a “incomunicação”.

Neste contexto emerge também a questão da identidade. Historicamente lutada, sofrida e conquistada com o sangue de muitos, é difícil a sociedade abrir mão dela. Assim, de maneira natural, quanto mais os homens entram na globalização, mais eles querem afirmar suas raízes. Para o comunicólogo francês, tudo isso evidencia a necessidade de, “quanto mais comunicação e trocas houver, mais será preciso respeitar as identidades”.

Na prática, o desafio da comunicação contemporânea é marcado por constantes insucessos. Um exemplo simbólico é a da manipulação da informação feita pela rede de televisão americana CNN.  Além de suscitar oposições crescentes, desde a primeira guerra do Iraque (1991) e no pós 11 de setembro de 2001, a CNN, em vez de aproximar os pontos de vista, aumentou as distâncias culturais, exacerbando os maus entendidos.

O fato é que, como evidencia Wolton, “a globalização da informação cria um processo que foge a todo o mundo”, do qual é difícil controlar. Por isso, afirma o comunicólogo francês, “é preciso pensar a comunicação considerando a diversidade cultural”, em que os diferentes povos e culturas sejam respeitados. “Não há informação nem comunicação, sem o respeito do outro, do receptor”, afirma Wolton.

Morar fora? Pra que?

globeinhands

Eu passei quase metade dos últimos 10 anos vivendo no estrangeiro. O “glamour” desse fato, porém, se desfaz no que acredito serem as principais riquezas dessa experiência: o árduo exercício de “inculturação” e a valorização da própria cultura.

Quando nos limitamos a viver em um espaço físico reduzido, muitas vezes temos uma visão proporcional às coisas e o mundo. Ampliando os limites adquirem-se outras perspectivas, que nos transformam na essência e nos fazem ver que muitas experiências podem ser vividas de maneira completamente diferente e, mesmo assim, darem certo. É neste aspecto que se traduz a “inculturação”, completamente diferente de conhecer “o diferente” em passeios turísticos.

Adaptar-se a uma nova cultura é um exercício doloroso. Nesse processo de “perda” existe muita fadiga, revolta, sacrifício, mas que, quando superados, nos ajudam a crescer.

As maiores dificuldades são em relação ao clima, à comida e o idioma. Esse “triplo obstáculo” fundamenta qualquer processo de adaptação e se não for vencido, acaba transformando qualquer aventura em uma experiência traumática.

Depois dessa primeira fase, a vida no estrangeiro melhora bastante. Começamos a nos sentir bem, nos comunicar com os outros e, com isso, surgem outros dois novos desafios, menores, mas potencialmente destrutivos, se não forem lidados de maneira positiva: a não aceitação da diferença (ou a constante comparação) e a saudade.

Viver com “o diferente” nos leva constantemente a confrontar seus hábitos com os nossos esquemas psicológicos, construídos no processo de crescimento. A afetividade, abertura, seriedade, justiça, pontualidade… modos e valores… se plasmaram de maneira diferente em todo o mundo. A consciência (ou inconsciência) em relação a isso pode nos aproximar ou nos afastar da cultura alheia. Impedir-nos de entrar em profundidade, nos deixando simplesmente “fora” da vivência cultural.

As experiências que fiz me ensinaram a estar sempre aberto. Saber que “inculturação” exige, sempre, renúncia, mas que, por outro lado, promove benefícios profundos no nosso desenvolvimento.

Porém, mesmo o mais “inculturado” dos “estrangeiros” vai ter que aprender a lidar também com a saudade. Estar em outra cultura é sempre “estar em outra casa”. Nós temos raízes, origens, que nada é capaz de apagar. Basta ouvir alguém falando a nossa língua, usar a camiseta do nosso país, ouvir uma música ou encontrar alguém que conhece a nossa “casa” que a saudade “bate”.

E ter saudade é sinal de reconhecimento! É ter certeza de que somos de um determinado lugar, fruto de uma determinada cultura. Contudo, como qualquer sentimento, a saudade também pode ser controlada. Aprender a lidar com ela pode nos ajudar a redimensionar o significado de família, nação, casa.

Essa foi uma das experiências mais bonitas que fiz vivendo fora do país. Depois de tanto tempo longe, entendi que minha família, meu país, amigos, podem ser também aqueles com quem eu partilho cada momento, independente de onde esteja.

Superados estes desafios, descobre-se o quanto é bom morar fora. Uma experiência que todos deveriam fazer.

Intervenções urbanas de Eduardo Srur

farol

eduardosrur.tumblr.com

Todos os dias, durante o meu trajeto de retorno à casa, pedalando (claro!), passo pelo centro histórico de São Paulo.

Liberdade, Praça da Sé, Rua Direita, Mosteiro de São Bento e Vale do Anhangabaú são as principais atrações desse percurso cultural, que a vida de ciclista me permite admirar.

Contudo, na última semana, passando por ali, me deparei com uma intervenção artística, muito interessante, que me apresentou o inusitado artista plástico Eduardo Srur.

Um Farol, coberto com 15 mil ratos de borracha, de 8 metros de altura, avisa “os navegantes” paulistanos, sobre uma realidade, sempre escondida, do submundo da metrópole. Segundo o artista, São Paulo tem uma das maiores populações de ratos do planeta, com uma média de quase 15 por habitante.

Eduardo Srur é famoso por suas intervenções a céu aberto na cidade de São Paulo – garrafas pets gigante ou caiaques nos rios Pinheiros e Tietê -, instalações provocativas que denunciam o caos urbano.

Uma das suas intervenções mais interessantes que vi no seu blog eduardosrur.tumblr.com  foi a carruagem em tamanho real, instalada no mastro da ponte estaiada e que compara a velocidade média de deslocamento de um carro no trânsito paulistano no horário de pico, com a velocidade de uma carruagem nos tempos do Império.

Um artista interessante de conhecer. Made in Brazil. O que dá um orgulho especial.

Intervenção da carruagem:

[vimeo=http://vimeo.com/52162322]

Lição ao definir um atentado

atentado

Sempre ouvi dizer que as diferenças enriquecem o casamento. Posso garantir, sendo casado com uma estrangeira, que essa é uma verdade fundamental.

A diferença ajuda a gente a ser mais completo, a ampliar as perspectivas, desenvolver nossa sensibilidade e, assim, errar menos. Ontem, tive mais uma prova dessa realidade.

No final da tarde, entrei na internet e descobri que tinham sido explodidas duas bombas em Boston. Como jornalista, lendo os fatos que iam sendo apresentados pelos sites e redes de televisão, concluí, pelas evidências, que se tratava de um atentado terrorista.

O evento na capital do estado Massachusetts tinha um simbolismo importante, local e nacionalmente. Duas explosões aconteceram durante a Maratona de Boston, a mais antiga do mundo (moderno), disputada há 117 anos, e que reunia atletas de todas as partes do mundo.

Para relembrar: o ataque às Torres Gêmeas foi realizado no coração econômico dos Estados Unidos (Nova Iorque), com dois aviões e em dois arranha-céus onde trabalhavam uma vasta representação internacional.

As semelhanças são muitas, mas aqui emerge o valor da diferença: O jornalista é “treinado” para realizar uma leitura imediata dos fatos, para depois definir o evento. Assim, quando alguém perguntar “o que aconteceu?” ele, rapidamente, pode dar uma resposta clara e objetiva. Já uma especialista em relações internacionais, como minha esposa, age de maneira diferente. Assim que eu defini o atentado em Boston como “ataque terrorista” ela, imediatamente, disse que eu deveria tomar cuidado com a terminologia da definição. Não entendi o porquê. Os fatos falavam por si só, mas, passadas algumas horas, assistindo ao discurso de Obama, em que ele também tomou esse cuidado terminológico, me dei conta do quanto é importante respeitar o tempo, a apuração mais aprofundada, mesmo que a notícia “tenha que sair”.

O termo “terrorismo” e a sua instrumentalização feita, especialmente pelo governo Bush, produziu um mal histórico e serviu para justificar a morte de inúmeros inocentes no Oriente Médio. A chamada “Guerra ao Terror” acentuou o ódio dos “fanáticos” e pode ser considerada uma das causas do discurso demente do ditador norte coreano.

Definir como “atentado” sim, porque foi. Mas incluir “terrorismo” é afirmar que existe uma organização “criminosa” responsável pelo ato de violência, não somente direcionado às pessoas presentes no momento da explosão, mas ao Estado estadunidense e o seu significado simbólico, como liderança do chamado Ocidente. Essa conclusão ainda precisa de tempo.

Mais uma lição que aprendi com as diferenças. Ainda bem que elas existem.

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