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Mais um Francisco para entrar na história

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Entre os considerados “santos” pela Igreja Católica aquele que, provavelmente, mais arrebatou simpatizantes, dentro e fora da comunidade eclesial, é um tal de Francisco de Assis; testemunho avassalador de radicalidade, simplicidade, desapego e amor à natureza.

Francisco, nascido na belíssima Assis, região da Úmbria italiana, ficou também conhecido por ser pai dos pobres e dedicar sua vida no cuidado aos excluídos e doentes da sua cidade. Inspiradas nele nasceram inúmeras expressões religiosas que, também nos dias de hoje, testemunham a caridade, como pilar da fé cristã.

Mas, parece que não somente ás ordens e os movimentos religiosos decidiram seguir o rastro de Francisco de Assis. O cardeal Bergoglio, agora Papa Francisco, tem mostrado, através de suas atitudes “pastorais” que “um novo catolicismo” começa a emergir.

O carisma e a simplicidade do papa Francisco é assunto batido. No Brasil, foram incontáveis as demonstrações de que, antes de tudo, o sacerdócio é SERVIÇO para a comunidade eclesial e não privilegio de uma elite clerical que, historicamente, gozou de um prestígio que transgredia o significado original do termo.

Contudo, o Francisco do século XXI não para de revolucionar. Esta semana, após receber a carta de uma jovem romana, abandonada pelo marido, grávida e que dizia temer não poder batizar seu filho, o papa ligou para a jovem e disse que, ele mesmo, iria batizá-lo. O gesto inusitado e carregado de significados para a Igreja católica sacramenta a “pedagogia pastoral” do sumo pontífice: falando pessoalmente com um fiel, para acolher seu drama, ele fala a todos, promovendo um novo modo de ser igreja, ser católico, em que, antes de tudo, se olha o ser humano e, depois, a “lei”.

Além do seu xará italiano, parece que outro revolucionário que viveu neste mundo, há 2.000 anos, propunha a mesma coisa. Mas, sendo humana, a Igreja Católica acabou se tornado uma espécie de antro dos fariseus modernos, mais voltada para a lei, que para o amor, que acolhe todos.

O testemunho do papa Francisco parece ser a resposta “transcendente” aos sinais dos tempos, em que valem mais os relacionamentos, a convivência no amor fraterno, a acolhida de todos. Afinal de contas, Jesus e seus discípulos se preocuparam mais em SER/VIVER Igreja do que escrever regras para adesão exclusiva da mesma.

Pois bem, parece que o catolicismo está, finalmente, retrocedendo e, assim, progredindo.

Uma resposta violenta e hipócrita

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Sendo radicalmente a favor da vida e contra qualquer pessoa, governo ou instituição que se sinta no direito de controlá-la, nunca considerei a pena de morte uma possível solução diante de um crime cometido, independente da gravidade.

“Claro, você nunca passou por isso!”, diria alguém que vivenciou uma experiência traumática de violência. Contudo, acredito, cada vez mais, que existe um paralelismo nas mais diferentes experiências de vida, que tira a necessidade de alguém ter de viver tudo para entender os sentimentos por detrás delas. Assim, continuo contra a pena de morte.

Matar é eliminar um individuo que incomoda. A pena de morte denuncia tanto os limites intrínsecos de qualquer ser humano, como a nossa incapacidade de lidar com alguns problemas que, muitas vezes, nós, como sociedade, somos a causa. Matar é almejar o corte do mal pela raiz; é acreditar que, dessa forma, não só se elimina o problema, mas intimidam-se os possíveis futuros agressores.

Bem, se fosse realmente assim, veríamos os casos de violência diminuir, o que não acontece. A resposta violenta a um crime social não educa, não resolve o problema, não promove soluções verdadeiras.

O argumento acima serve também como reflexão, no advento de um possível bombardeio à Síria. Com o uso de armas químicas, o governo do país acabou cometendo um crime gravíssimo perante a Comunidade Internacional. Por isso, é inquestionável a importância de uma dura repreensão aos agressores, para que esse crime não abra precedentes difíceis de mensurar. Mas, pergunto: adianta soltar algumas bombas, mesmo que com alvo estratégico, em um país já castigado pela guerra interna? A resposta violenta irá “ensinar” algo aos agressores?

A resposta é não. Não adianta nada. Como não adianta executar alguém que teve sua existência roubada por problemas psicológicos, ou traumas sociais. Você só tira o problema da frente, não o resolve.

Não sou eu quem toma as decisões, que tem a responsabilidade dos líderes do Conselho de Segurança da ONU, ou dos chefes de estado das grandes potências do mundo. São eles que têm o dever de encontrar soluções “criativas” para uma punição eficaz contra o governo Sírio. Contudo, seria oportuno que eles tivessem a consciência de que uma iminente guerra: só tiraria ainda mais vidas, muitas delas inocentes; só continuaria promovendo o ódio dos países árabes contra o Ocidente; só aumentaria a ameaça terrorista.

Acredito que é preciso intervir a favor do povo Sírio, que está sendo eliminado por um governo irresponsável, inconsequente, genocida, mas é fundamental que essa intervenção seja pensada, articulada coletivamente e de maneira inteligente.  De nada adianta fornecer armamentos para os conflitos no Oriente Médio e depois condenar a violência descomedida. Isso se chama hipocrisia.

Diante de tudo, o mais importante é jamais se esquecer do imenso valor da PAZ. Ignorá-lo pode causar um grande arrependimento.

Mais que ideologias

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No final de semana que passou, pude reencontrar pessoas queridas. Uma ótima oportunidade para partilhar experiências da vida e visões do mundo diante dos últimos acontecimentos que a mídia “escolhe” divulgar.

Em uma dessas conversas identifiquei uma diferença antagônica entre visões de mundo que sempre me incomodou. Enquanto os “pensadores”, sentados em suas cadeiras, constroem, usando a ratio, explicações abstratas, mas verdadeiras, da realidade, os “ativistas”, vivem essa “realidade” de maneira tão intensa, que não conseguem se distanciar criticamente dela. A meu ver, a Verdade é a soma dos fragmentos que habitam em cada ser humano e que emerge do diálogo, da partilha, do equilíbrio, ou mesmo, da negociação entre eles.

Esse antagonismo perturbador veio em evidencia enquanto conversávamos a respeito das decisões políticas do atual governo brasileiro.  O que entendi, pensando nas polêmicas das últimas semanas, é que enxergar essas decisões identificando a sua dimensão “ontologicamente” ideológica é ter a capacidade (e a maturidade) de perceber que, por trás de um aparente desejo de transformação da sociedade, existem sempre interesses específicos, voltados para a manutenção do status quo e do poder de quem está com ele em mãos. Essa é uma característica da política que precisa ser observada, sem ingenuidade ou exageros. Ela existe e pode ter consequências graves, principalmente porque se fecha ao pensamento “oposto”.

Por outro lado, a política (e suas decorrentes decisões) não é feita só de “ideologias”. Existe uma dimensão humana, fundamental, que não pode jamais ser esquecida e, arrisco dizer, que carrega em si a sua derradeira finalidade: o povo.

Muitas vezes, incomodados com os movimentos ideológicos de um governo, nos esquecemos de quem, no final das contas, será favorecido, mesmo que “em curto prazo”. Mais médicos, Bolsa família, Prouni são alguns programas sociais que, mesmo questionáveis, oferecem oportunidades e soluções (parciais, mas existem soluções definitivas?) para cidadãos carentes.

Não acredito que a dimensão humana suprime o questionamento (necessário) das ideologias, de um governo. Mas, acho que, diante de qualquer decisão política, deve-se, antes de tudo, considerar o significado humano, o legado social, que ela possa ter. Uma opinião madura é a média ponderada entre a consciência e o entendimento das ideologias por trás de um governo e do alcance social das decisões políticas. Nenhuma delas é isenta de juízos de valor, mas ambas precisam ser consideradas.

Ainda 200 milhões de indivíduos

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Sempre questionei a afirmação de uma “forma” preestabelecida dos relacionamentos e intuições. Não é porque são pai e mãe de sangue, que o filho, automaticamente, vai amar; não é porque é religioso, que um fiel é, positivamente, santo ou, negativamente, alienado. Nem mesmo o fato de duas pessoas se casarem a transformam, de imediato, em família.

Não! Tudo é um processo, uma conquista cotidiana, “homeopática”, pois feita de pequenos passos em direção uns aos outros, para que se possa criar uma “estrutura” que nos dá uma identidade, não só individual, mas também coletiva.

É essa leitura que faço do Brasil. Ontem, os meios de comunicação anunciaram que superamos os 200 milhões de habitantes. Somos talvez o segundo maior conglomerado de diferenças étnicas e culturais do mundo, depois dos Estados Unidos. Índios nativos, afrodescendentes, imigrantes da Europa, Ásia, Oceania e dos países vizinhos da América. Mas isso basta para sermos, realmente, um povo?

Bem, a nossa história e as distâncias geográficas parecem ter promovido uma forte divisão entre os diferentes “povos” que habitam no Brasil. Mesmo estando no mesmo “grande pedaço de terra” nós não nos conhecemos. Basta conhecer um gaúcho para perceber que a sua identidade repousa no particular e não se integra com o resto do país; ou encontrar um pernambucano “da gema” para sentir o “bairrismo” que incide até nos habitantes de estados vizinhos.

Somos muitos, mas ainda estamos divididos. O que acontece no norte não interessa ao Sul. Aquilo que se vive no nordeste tem pouco valor para o centro-oeste.

Culturalmente, as diferenças dividem ainda mais. Danças, sotaques, comida, trabalho. Tudo nos divide e o que nos une, além do idioma comum, parece ser só o futebol.

Nesse processo para que sejamos um povo, emerge fundamental a tomada de consciência da nossa história, o interesse e o respeito progressivo das diferenças regionais, culturais; o mesmo caminhar em direção uns dos outros, que permite que um casal se transforme em família, um grupo de jogadores se torne um time.

“Eu tenho um sonho”: Que tenhamos o mesmo interesse e admiração pelos brasileiros de outras regiões, que manifestamos pelos estrangeiros do Norte, americanos e europeus. Assim, quem sabe, em médio prazo, sejamos não só 200 milhões de indivíduos, mas um único povo.

Médicos (do Brasil ou de Cuba) não são super-heróis

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Antes de escrever esse post, passei alguns dias refletindo, tentando entender o debate em relação à necessidade de mais médicos, que culminou com a vinda de profissionais cubanos para trabalhar nas “periferias” do Brasil.

Primeiramente, critico todos os jornalistas, médicos, políticos, o Dimenstein, e tantos outros que estão levando o debate para os extremos. A verdade é uma soma de fragmentos e qualquer escolha adotada, por melhor que seja, não conseguirá jamais englobar todos os aspectos que envolvem a discussão. Não adianta banalizar ou polemizar. Aqueles que se fazem “defensores dos pobres” ou “corporativistas” precisam entender que o “melhor caminho” está no diálogo construtivo, colaborativo. Não se melhora a vida de ninguém com ataques (racistas) aos estrangeiros que veem ao país para trabalhar para quem precisa e, muito menos, com o descaso perante a classe médica..

Pois bem. Ontem, acredito, a situação chegou ao limite. Pior, as hostilidades direcionadas aos médicos cubanos que chegaram para trabalhar no Brasil tiraram o brio, visível nas manifestações de julho, de um povo unido, gigante, que luta pacificamente pelos seus direitos.

Não. Ontem, infelizmente, vimos uma triste faceta do brasileiro. Racista e maquiavélica. De racismo, nem vou me estender muito. Fui vítima, na Itália, e posso dizer que esse é um mal que não se cura com simples desculpas. Os seres humanos que vieram de Cuba (e poderiam ter vindo de qualquer outro lugar do mundo) devem ser respeitados. Atacá-los, para assim atacar o governo, é fazer uso de um maquiavelismo que divide e causa sequelas em outro povo que, no futuro, será causa de arrependimento. Cuidado.

Mas, o que me causou, desde o início, certa impressão, é o fato de a classe médica estar tão uníssona na revolta contra as medidas adotadas pelo governo em relação à saúde. Entendi que é só se sentar ao lado de um médico ou ler alguns relatos nas redes sociais, para entender que o problema “é muito mais embaixo”. A formação dos médicos e as condições de trabalhos são a ponta do iceberg de um problema estrutural que se estende há muitos anos.

Posso dizer, com (certa) sanidade mental, que os médicos – na teoria – são SERES HUMANOS, dotados de uma vocação e formação especial para lidar com VIDAS. Mesmo que alguns ainda acreditem o contrário: eles não são super-heróis. Para trabalhar, os médicos precisam de hospitais, laboratórios, equipamentos, pessoal capacitado, isto é, um contexto adequado. Sem isso, mesmo que ele seja branco, preto, brasileiro, estrangeiro, bem formado ou mal formado, nada vai adiantar. Repito, eles não são super-heróis.

Digo isso, porque acho um absurdo algumas pessoas chamarem de corporativista a luta dos médicos por medidas complexas, mudanças efetivas, um projeto À LONGO PRAZO para o sistema de saúde no Brasil, que dessa forma, beneficiaria realmente todos. Isso deveria acontecer em todas as esferas da sociedade, mas talvez só na próxima onda de manifestações.

Porém, como tudo na vida, essa situação também tem “outro lado”, o do doente, que precisa do médico. E diante deles, o que fazer? Bom. Se alguém tiver uma solução simples para um problema tão complexo, por favor, se manifeste. Pois, as ineficiências englobam, desde a formação técnica (e humana) dos médicos, até o descaso de um projeto político que há décadas não se importa com Norte e Nordeste do país.

O descaso do governo, olhando da perspectiva do doente, tem nome, família, história. Não dá para fechar os olhos para quem precisa. É fundamental procurar alternativas, um esforço conjunto que procure dar assistência para os mais necessitados.

Não dá para ignorar que existe, sim, uma dose de heroísmo, de solidariedade, que é capaz de superar as dificuldades materiais. “Largar mão” e esperar um contexto perfeito promovido pelo Estado é uma omissão que irá sacramentar ainda mais vidas. E se, mesmo assim, um médico não se achar pronto para enfrentar tamanhas dificuldades, que ao menos respeitem e aceitem que, de fora, outros médicos façam algo para quem precisa.

Acredito que, no final, é sempre uma escolha. Quem aceita enfrentar as dificuldades sempre dá um passo decisivo em relação ao outro, ás vezes com requintes de martírio. Mas, nesse país, tão carente de tudo, devo dizer que este não é um privilégio da classe médica.

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