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Além da Fumaça Branca: vivendo a Igreja do encontro nos momentos cotidianos

Assim que a fumaça branca começou a ser lançada pela chaminé da Capela Sistina, olhei no relógio e percebi que logo teria que sair de casa. Havia combinado com um amigo de jantarmos juntos no centro de Berna.

Corria o risco de não acompanhar o anúncio tão aguardado do novo líder da igreja que pertenço, mas o que não sabia é que aquela situação iria me ensinar, de forma inesperada, o verdadeiro significado de ser igreja além dos ritos.

Como a maioria dos católicos, passei o dia anterior na ansiedade pela revelação do novo papa. Conclaves são momentos profundos e solenes, mesmo que grande parte do mundo – sobretudo os não católicos – passe o tempo especulando sobre jogos políticos, como se o filme hollywoodiano recém-lançado fosse um relato quase histórico do que acontece após o “Extra Omnes”.

É fascinante observar como a igreja católica ainda permanece como a instituição religiosa mais influente no mundo, apesar das tantas dores e percalços. O mundo literalmente para para acompanhar a eleição de um novo Papa.

Claro que eu também tinha meus desejos humanos. Na verdade, um único: que o novo papa não fosse europeu.

O motivo era simples. A Europa vive uma profunda crise existencial onde a fé não é mais percebida como instrumento, na prática e no pensamento, para encontrar possíveis caminhos. O papa Francisco, não sendo europeu, trouxe outra vivência do catolicismo – da fé como prática, da compaixão, da proximidade. A igreja passou a priorizar o encontro e uma vivência baseada no construir pontes, em vez de afirmar certezas morais absolutistas.

Mas, no final das contas, a igreja não existe para satisfazer minhas ideias e projetos pessoais. A fé é aquela faísca interior que nos ajuda a enxergar o mundo além de nós mesmos – um impulso que me faz acreditar que Algo Maior concorre para o bem e desenha caminhos que normalmente eu não consigo imaginar.

O anúncio de Leão XIV a princípio me assustou por ser um papa americano, apontando justamente para meu temor de ter um líder religioso vindo de um contexto similar ao europeu. Porém, depois foi revelado que grande parte do seu percurso religioso foi vivido como missionário no Peru – experiência que certamente lhe proporcionou a dimensão social que precisa ser a base da igreja católica.

Tudo o que sei agora sobre Leão XIV tive que ler tarde ontem à noite, pois durante o anúncio estava com esse amigo em Berna. Foi uma noite surpreendentemente significativa – conversas simples e profundas, de verdadeiro encontro, de pontes, ou melhor, túneis, já que foi uma partilha de coração para coração.

Fiquei profundamente emocionado quando li as palavras do novo Papa em seu primeiro discurso: “Devemos buscar juntos como ser igreja missionária, uma igreja que constrói pontes, que dialoga, sempre aberta a receber como esta praça de braços abertos, a todos, todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, do diálogo, de amor.”

Naquela noite, enquanto o mundo conhecia um novo papa, eu vivia, sem perceber, exatamente o que ele pregava em seu primeiro discurso. No final das contas, eu não apenas observei a igreja – fui igreja. A verdadeira igreja de Cristo. Do encontro, da proxi e da partilha.

COP27 representatividade

COP27 – Revolucionando o meu conceito de diversidade 

Na viagem rumo à COP27 em Sharm El Sheikh, no portão de embarque da conexão em Istambul, conheci o Ananda Lee Tan, senhor canadense com origens indígenas na Índia. A conversa com ele me ajudou a redescobrir o quão importante é olhar com profundidade para o contexto em que estamos inseridos para poder identificar as verdadeiras causas dos problemas aparentemente insolúveis. 

O bate papo informal na fila do embarque me fez lembrar de um momento de partilha com Giuseppe Maria Zanghì quando eu vivia no Centro internacional dos jovens do Movimento dos Focolares, na região dos Castelos Romanos. Ele dizia: “É preciso olhar a nossa existência com profundidade senão acabamos reproduzindo o que está na superfície”.

Aqui no COP27, mas talvez em grande parte das reflexões de como frear o aquecimento global, existe uma fixação com a diminuição das emissões de CO2. Sim, ela é importante. Só que ao focar exclusivamente nela, desviamos a nossa atenção para as verdadeiras raízes do problema que têm impacto muito mais devastador para o clima do planeta.

São as questões da ocupação e degradação da terra, o desprezo das culturas nativas, a extração colonial dos recursos naturais nos países em desenvolvimento, na maioria das vezes impulsionadas por multinacionais com sede em países desenvolvidos. E, por fim, um sistema que carece de representatividade nos organismos internacionais, incapaz de criar impedimentos formais às praticas devastadoras do ambiente, combinadas com a negligência em proteger os direitos humanos.

E aqui inclusão não é só ligada à nação dos negociadores que importa. Mas se eles realmente espelham suas comunidades. Explico. Muitos dos negociadores de países em desenvolvimento aqui no COP27 já estão completamente desconectados da realidade daqueles que eles representam. O colonialismo cultural faz com grande parte da sabedoria local fosse perdida em detrimento de uma concepção de saber “de elite” que em vez de libertar conforma na sua uniformidade.

Toda vez que encontro um indígena, me dou conta da existência de um saber milenar que não dou a devida importância. É nesse sentido que precisamos facilitar encontros, entre diversos. É aqui a essência do que acredito ser representatividade. A busca de pessoas que trazem de suas diferentes vivências, educação, culturas, uma riqueza capaz de contribuir para soluções cadê vez mais difíceis de alcançar.

Olhar a crise climática como um processo de abertura e reconexão com o mundo, mas também entre nós, talvez ajude a encontrar um caminho de colaboração nessa nossa sociedade fragmentada e isolada no seu individualismo.

COP impementação

COP27 e as esperanças de uma implementação urgente

Estou à caminho da minha quarta Conferência do Clima das Nações Unidas, mais conhecida como  #COP27. Desde a minha primeira participação na COP21 em Paris já se passaram seis anos. 

De lá para cá, o otimismo e a euforia do Acordo de Paris acabou freado por governantes de extrema direita que se recusaram a implementar as medidas políticas ambiciosas acordadas na capital francesa. Somado a isso, o mundo teve de lidar com uma pandemia que tirou qualquer chance de que os países direcionassem seus recursos para a implementação das metas acordadas. Mas o pior é que não para por aí! A invasão russa na Ucrânia e a insegurança energética criada pelo conflito fez com que alguns países desenvolvidos voltassem ao uso do carvão para amenizar o impacto interno do aumento no preço do gás natural.

Mas e eu? O que eu tenho a ver com isso?

Já em 2015, fui cobrir a participação de organizações ancoradas em comunidades religiosas que levam para a conferência uma dimensão que vai além das questões técnicas.

Em diversas partes do mundo, inclusive no meu Brasil, quando as instituições políticas falham, muitas vezes são as instituições religiosas que dão suporte aos mais atingidos por secas, inundações e outras catástrofes naturais provocadas pela degradação dos recursos naturais.

São principalmente as igrejas que reforçam a narrativa de que existe um dever moral de cuidar da natureza, que precisa ser protegida porque é um dom de Deus e para que nossos filhos e netos possam habitar em um planeta como o que conhecemos hoje.

A narrativa espiritual também engloba comunidades indígenas, muitas delas em áreas do Pacífico, em que os oceanos estão engolindo suas terras devido ao aquecimento global. Para eles, não é uma simples questão logística, ou de perdas e danos, mas uma violência que fere a sua própria identidade, profundamente conectada à terra onde vivem.

Poder estar fisicamente presente nessas conferências globais dá uma noção do esforço coletivo de encontrar soluções conjuntas para um problema que afeta à todos. 

O meu trabalho será dar visibilidade ás vozes dos mais afetados, na esperança de que os governantes tenham a coragem de ir além dos desafios técnicos e dos interesses políticos.

Sem uma abertura holística que permita olhar a crise climática na sua dimensão humana, existencial e até mesmo espiritual, parece difícil crer que os líderes globais darão ouvidos aos gritos desesperados e urgentes daqueles que anseiam por uma implementação robusta que já deveria ter começado seis anos atrás.

Dia dos pais

Dia dos pais

Acabei de falar com o meu pai, que semana passada festejou seus 73 anos de vida. Que privilégio eu sinto de ser filho dele!

Pensar no meu pai me faz sempre refletir sobre o impacto dele na minha vida enquanto pai, homem e, acima de tudo, ser humano. Apesar dos seus limites e vazios, ele sempre esteve presente, com um olhar sereno e um sorriso acolhedor que me fez sentir amado. 

Hoje, mesmo com toda abertura da sociedade e o incentivo do Feminismo, o papel do homem continua problemático. Além do machismo estrutural, que muitas vezes custa a vida de mulheres em todo mundo, outro aspecto negativo de impacto avassalador é justamente a aceitação da ausência dos pais dentro de casa. Na partilha das tarefas domésticas, mas sobretudo na falta de participação na educação e no acompanhamento de filhos e filhas.

Infelizmente, existe também um certo conservadorismo imbecil que sustenta a manutenção de papéis ditos tradicionais com justificativas religiosas. Família é um espaço dinâmico, que encontra o próprio equilíbrio no esforço comum e cotidiano de pais e filhos para que todos encontrem a propria realização. TODOS.  Nos mais variavelmente coloridos caminhos.

Rotular ou encaixotar os papéis de pais e mães é como cultivar um jardim monocromático.

Que hoje seja um dia para festejarmos pais presentes (valeu pai!), protagonistas, abertos e dinâmicos.

É esse pai que eu tento ser, esforçando-me e rezando todo dia para me aproximar mais dele.

Racismo no Carrefour

Racismo no Carrefour

É doloroso ter que voltar a falar de racismo depois do que aconteceu em Porto Alegre com o João Alberto Silveira Freitas (40), dentro do estacionamento do supermercado Carrefour. Diante das imagens de violência perversa, como desenvolver um discurso conciliador? Pensando na dor de mais uma família órfã de pai fica quase impossível defender a misericórdia pois “a misericórdia sem justiça conduz à ruína”, como diz Santo Tomás de Aquino.

Três meses atrás eu participei de um bate papo do canal do YouTube Papo Objetivo, onde conversamos sobre Racismo Estrutural. Mais uma vez vem à tona o mal que é a principal causa do genocídio sistemático do preto no Brasil e que precisa ser combatido por todos.

Das pessoas assassinadas no país entre 2008 e 2018, 75,5% são negras, segundo o Atlas da Violência. Uma pesquisa da ONG Rio de Paz, mostrou que entre 2016 e 2019, 91% das crianças mortas por “balas perdidas” no Rio de Janeiro, eram negras.

Só com o endurecimento das leis para crime de racismo, oportunidades iguais para os e as jovens pretas e, sobretudo uma política de reparação histórica, é que podemos tratar uma sociedade adoecida pelo racismo, como é a brasileira. Porém, o diálogo também nesse âmbito acabou polarizado, banalizando o fato de que todas as vidas importam, inclusive as vidas pretas. 

Sem uma resposta incisiva e transversal continuaremos limitando a nossa luta à busca de uma justiça esvaziada de significado porque incapaz de olhar o todo e transformar as estruturas da nossa sociedade.

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