Tag: trabalho

Carta para minha primeira filha

Querida filha, esta semana, enquanto você completa seu primeiro mês aqui fora, eu tive de voltar ao trabalho. Seria impreciso dizer que fui obrigado, pois foi a minha escolha aceitar esse que é, no momento, um importante instrumento de sustento para nossa família.

Segunda-feira não foi um dia feliz para mim. Ter de me despedir e ver você dormindo partiu meu coração e me fez pensar muitas coisas, até em deixar meu trabalho! É muito triste que a nossa sociedade ainda não disponha de tempo o suficiente para que os recém-chegados tenham uma adaptação mais suave (e seus acompanhadores também).

Você ainda não sabe, mas logo irá descobrir que para mim família é tudo. O resto sempre esteve em segundo plano. E agora que você está aqui, esse sentimento é ainda mais visceral. Contudo, também voltei para o trabalho porque acredito que lá posso fazer com que o Amor que cultivamos em família ultrapasse os muros da nossa casa e chegue às outras pessoas.

Eu e sua mãe cremos firmemente que, mesmo fisicamente distantes, somos capazes de viver uns pelos outros e assim, preservarmos a nossa unidade.

Filha. Desculpe a minha ausência durante a semana. Saiba que ela também dói em mim. Vou sentir falta de trocar suas fraldas durante o dia, tentar fazer você se acostumar com os estímulos desse mundo turbulento e presenciar o milagre que é o seu desenvolvimento. Mas, fique tranquila, no final do dia eu volto.

Um beijo e nos vemos mais tarde,

Papai

Zé e o trabalho como sentido da vida

working_overtime

Era uma vez um homem centrado em si mesmo.
Louvado pela sua equipe de trabalho, Zé era extremamente bom naquilo que se propunha a fazer, mas não conseguia se relacionar nem mesmo com uma porta.

De nada adiantavam as manifestações de carinho dos colegas de trabalho. Zé continuava sempre focado, não tinha tempo a perder com sentimentalismo.

Passaram-se os anos e Zé foi aumentando sua visibilidade dentro da empresa. Passou de efetivo à coordenador. “Em pensar que alguns anos atrás estava de Boy, entregando boletos de banco para o Financeiro”.

Agora Zé já era Assessor da Diretoria e seu prestígio chegou até o presidente da empresa, que o chamou para um colóquio particular:

“Entre meu jovem. Gostaria de saber o que você tem feito…”
“Bom… desenvolvi um sistema de informações com tabelas, gráficos, para calcular o desempenho da empresa, com a finalidade de identificar todas as falhas de procedimento que geram déficits e…”
“Basta! Não foi na empresa que eu perguntei. Quero saber o que você faz da vida. Se você é casado, tem filhos, seus hobbys..” E Zé emudeceu. Percebera que até ali tinha se desenvolvido como funcionário. Chegava mais cedo, era sempre o último a sair do escritório central, mas não tinha amigos, apesar da idade avançada nunca havia encontrado uma mulher que estivesse disposta a dividir a vida com ele, ou seja, vivia exclusivamente para o trabalho.

Enquanto o presidente da empresa aguardava Zé, o som do “tic tac” do relógio o fez pensar em sua infância, adolescência e o quanto era feliz naquele período.

“Joga a bola Zé!!! Para de ficar enrolando porque a gente ta perdendo o jogo!”
“Calma, já vai o zabezão!!”

O chute do garoto atravessou todo o campo e caiu bem no pé do talentoso Henrique que foi rápido o suficiente para driblar o goleiro e fazer um belo gol. O apito do juiz decretava o fim do jogo e o empate garantia o tão sonhado titulo do Jogos Universitários.
A festa foi longa. Joana, sua namorada correu para beijá-lo, enquanto todos se abraçavam e festejavam a vitória. “Parabéns amor. Estou orgulhosa de você!”.
Nesse período Zé era mesmo feliz… tinha amigos, praticava esportes e namorava a garota que ele desejou a vida toda.

“Como foi que você deixou de fazer as coisas normais?”.
A voz do presidente da empresa trouxe Zé novamente para a sala do grande chefe e aqueles momentos de glória se esvaeceram, da mesma forma que o sentimento de segurança que tinha tomado conta dele. Sem saber o que dizer Zé abaixou a cabeça.

O presidente se decepcionou pois acreditava que o trabalho dignificaria o homem, faria com que as pessoas entendessem que tudo é parte do desenvolvimento humano-afetivo pessoal.

“Pode passar no DHO. Não posso mais aceitar homens-máquinas na minha empresa, quero gente com coração, que saiba se relacionar, são essas as novas diretrizes estipuladas pela Academia do Grupo”.

“Ok, irei imediatamente.”, disse Zé, que na mesma tarde, jogou-se da ponte e tirou sua vida, pois já havia perdido tudo aquilo que dava sentido a ela.

Powered by WordPress & Theme by Anders Norén