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A retomada do “Homem que Sabe”

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Na sociedade em que vivemos “tudo é visível, mas cada vez menos compreensível”, afirma Dominique Wolton. Isto que nos obriga a sair de uma hermenêutica informacional e tecnocrática da sociedade, em busca do conhecimento verdadeiro das coisas e dos acontecimentos.

A virada do século XIX para o XX foi marcada pelo “ápice” da valorização da ciência como instrumento de desenvolvimento social. Contudo, as poucos, os acontecimentos e as escolhas politicas criaram um contexto em que não bastavam mais funções e operações matemáticas para compreender o mundo. Como afirma Wolton, “o século XXI é a revanche das ciências humanas em relação ao positivismo técnico e econômico do século XX”. Agora, “compreender as sociedades e agir sobre elas é muito mais complexo que compreender a matéria, a natureza e a vida e agir sobre estas”.

A grande oportunidade que parece se esconder na frase do teórico francês é a de da retomada da centralidade do ser humano como elemento de interpretação da realidade, “a revalorização do estatuto das ciências do homem e da sociedade”. É a partir disto que a comunicação torna-se um elemento fundamental de análise, do homem e da realidade. Como disciplina, ela “conhece a dificuldade das relações entre saber, poder e comunicação; sabe da necessidade da coabitação dos saberes e da obrigação da interdisciplinaridade” para vislumbrar de novos caminhos.

Dominique Wolton afirma que “as ciências da comunicação, por sua própria existência, ilustram a necessidade da interdisciplinaridade. Ilustram a importância e a dificuldade do conflito de legitimidade”. Mas para que seja possível uma relação profícua entre as ciências humanas e as “ciências positivistas” é fundamental uma mudança no estatuto do intelectual. Para Wolton , ele “não é mais a única sentinela da democracia e do universal”, sobretudo porque “ao longo do século XX, os intelectuais erraram nos combates essenciais da democracia”. Por isso, hoje, “o intelectual é mais modesto, fala em nome de suas competências e não do universal.

A relação interdisciplinar entre as diferentes ciências, pode convergir para a demanda essencial de não só produzir informação, mas fazer dela conhecimento, isto é, instrumento que concorre para a melhoria da sociedade.

Para superar a superficialidade das “News

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Para descobrir que grande parte das informações que recebemos hoje dos meios de comunicação de massa é “essencialmente superficial” não é necessário ser um especialista no assunto. A fábrica de noticias “fast food” que rodeia a sociedade contemporânea não tem vergonha de criar, constantemente, a ilusão de que, estando “conectados” ao mundo, sabemos o que está acontecendo nele.

Contudo, como explica repetidas vezes Dominique Wolton, produzir informação não é o mesmo que comunicar-se, pois, o quanto no primeiro basta um cérebro e a capacidade técnica, o outro exige “kenosis” (esvaziamento) para colher a Verdade (Alethèia) ou os fragmentos dela, que se manifesta no encontro verdadeiro entre pessoas e/ou acontecimentos.

Para Wolton “os jornalistas devem sair das News” para “buscar as chaves de compreensão dos acontecimentos, ou seja, encontrar a densidade da história por trás da força dos acontecimentos”. As dificuldades metodológicas dessa operação, em um contexto de produção que privilegia a velocidade, o “furo de reportagem”, são inúmeras.

A batalha por uma informação que comunique exige vencer inúmeras batalhas, por quem faz e quem recebe a notícia. No caso dos jornalistas, afirma Wolton, eles “têm a temível responsabilidade de informar, sem retomar sistematicamente o discurso dos atores políticos, mas também nem sempre tendo os meios para suas investigações”. Existe também o desafio de superar estereótipos, cliques e representações em que os intermediários do conhecimento “deformam muitas vezes a apreensão da realidade, e o trabalho do jornalista consiste, sobretudo, em desconstruí-los”.

No que diz respeito à sociedade, caberia, talvez, a ela exigir uma convenção internacional sobre a informação e a imagem que garantisse os direitos e deveres dos jornalistas, valorizando possivelmente a existência de códigos deontológicos comuns. “Tal convenção permitiria também definir as responsabilidade de cada um: jornalistas, editores, empresários, poder publico, políticos e etc. em um mercado da informação cada vez mais contraditório”, afirma Wolton.

Em ambos os casos é fundamental um retorno ao ser humano, na sua alteridade e ontológica “relacionalidade”. Quando se coloca o bem, individual e coletivo, dos sujeitos envolvidos no processo comunicacional, considerando-o elemento-chave da comunicação de massa, redimensionam-se todas as metodologias e as consequências em relação ao valor da informação são profundas.

A tridimensionalidade das referências

CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO

A comunicação, na sua origem, promove o encontro com o outro, a partilha que, se aproveitada, revela as diferenças que nos fazem seres autênticos. Descobrirmo-nos “iguais em direito”, mas diferentes na essência é fundamental também para a preservação das referências. Já em uma sociedade aberta, em que a comunicação de massa serve de ponto de encontro amplificado entre as “alteridades”, surge a necessidade de repensar a coabitação cultural, no que diz respeito, especialmente, ao reconhecimento e a importância das diferentes referências.

Partindo disso, Dominique Wolton propõe a distinção de três tipos “globais” de discurso ou visões de mundo. Como ele mesmo afirma, “o progresso da democracia é permitir a cada um, através da informação, o acesso a certa compreensão dos múltiplos pontos de vista sobre o mundo, desde que se tenha bem em mente tudo o que continua distinguindo as três grandes relações com o mundo que a informação, o conhecimento e a ação constituem”.

Saber que informar não é conhecer e conhecer não é agir é “admitir a existência de três grandes discursos e relações com o mundo que estruturam a sociedade; é reconhecer o papel complementar e indispensável dos três, pois cada um deles representa uma visão particular do mundo”, afirma massmidiólogo francês.  Dominique Wolton afirma que “o conflito de legitimidade é reconhecer a legitimidade e a irredutibilidade dos três discursos (informação, conhecimento e ação) na sociedade democrática. É também pedir que cada um desempenhe o seu papel e não o dos outros”.

Simplificando, com temor de não reduzir a complexidade do pensamento de Wolton, a diversidade de referências, quando pensada na perspectiva social e buscando a coabitação cultural, pode ser relacionada a três diferentes visões de mundo, baseadas na informação, no conhecimento e na ação. A relação entre essas três realidades promove a verdadeira comunicação, pois não simplesmente informa, ou gera conhecimento e ação, mas permite, ao mesmo tempo em que afirma a originalidade dessas três dimensões, que, relacionando-se, essa “tridimensionalidade” leve a coabitação.

“Coabitar é, em primeiro lugar, refletir sobre as condições simbólicas, portanto culturais, que permitem simultaneamente trocas e um mínimo de distancia”.

O estatuto do receptor

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As reflexões a respeito da obra “É preciso salvar a comunicação” de Dominique Wolton, comunicólogo francês que faz uma leitura brilhante da comunicação, continuam, mesmo depois de uma longa pausa. Enquanto partilho questionamentos em torno deste livro que concluí, continuo me deliciando com outra obra “Informar não é comunicar”, que, de certa forma, é um complemento sintético do pensamento do autor.

Um dos aspectos mais importantes levantados por Wolton, na minha singela opinião, trata do estatuto do receptor. Nele, o autor discute o significado da alteridade, da aceitação do outro, essencialmente diferente.

Existe uma corrente de “comunicólogos”, principalmente de leitura marxista, que vê o receptor de uma mensagem (informação) como um indivíduo profundamente manipulado pela mídia, que produz as informações de acordo com seus próprios interesses.

Mesmo sendo uma questão complexa, eu me coloco “ao lado” de Wolton, acreditando na inteligência e autenticidade do receptor da mensagem-informação. Os indivíduos aprendem a resistir e até podem ser dominados pela comunicação e pelas mensagens, mas não são alienados. O receptor, afirma Wolton, “conserva a sua capacidade de dizer não, ainda que de maneira silenciosa”.

Essa questão, de certo modo polêmica, esbarra justamente no modo como o indivíduo é visto, dependendo dos interesses de quem promove uma determinada ideologia. Quando simples receptor de uma mensagem, ele é visto como passivo e manipulado, mas se é consumidor de um produto ou serviço, ou se a sua opinião conta em uma pesquisa IBOPE, o indivíduo é inteligente e ativo.

Dessa forma, seguindo as “trilhas” de Wolton, é fundamental redescobrir o importante papel do receptor dentro dos processos comunicativos (que não são exclusivamente relacionados à recepção da informação, mas também englobam as diferentes formas de participação política).

Nossas sociedades redescobrem a identidade de maneira relacional, isto é, no olhar para si mesmo e na abertura (e no respeito) para o outro e para o mundo. Assim, repensar o papel do receptor das informações, das imagens, dos dados, das mensagens é discutir por quem, para quem e com qual respeito à alteridade cultural eles são feitos. É repensar a democracia. Segundo Wolton, “o receptor dos países menos avançados é o contestador de amanhã. Hoje ele quer menos desigualdade; amanhã, desejará, com razão, mais respeito à diversidade”, tanto no aspecto sócio-político, quanto no aspecto cultural.

Comunicação: a chance de encontro e o risco do fracasso

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“Se o homem moderno é livre, ele se encontra frequentemente sozinho, numa sociedade em que os laços familiares, corporativistas, socioculturais são menos fortes do que outrora”. Essa afirmação de Wolton introduz o seus conceito sobre as duas dimensões, segundo ele, contraditórias da comunicação e da liberdade, que evidencia a dificuldade da relação autêntica com o outro, “que se esquiva” e “impõe sua lógica”.

A liberdade – conquista histórica fundamental – como valor sociocultural, encontra, na comunicação autentica, um grande desafio em relação ao outro. Segundo o teórico francês, a dinâmica da comunicação segue uma “dupla hélice” normativa e funcional, que promove a chance do encontro e o risco do fracasso, pois mesmo que queiramos nos comunicar (porque somos livres), dependemos “do outro”, que (também) é livre para responder ou se abster.

É importante ter a consciência deste limite ontológico imposto pela relação comunicativa livre. Mesmo que a modernidade tenha facilitado as nossa possibilidades comunicativas, ela “não impede a incomunicação, nem o fracasso, nem a solidão”. Eu ser livre não garante necessariamente “encontrar o outro”.

Dessa forma, afirma Wolton, “informar, expressar-se e transmitir não são mais suficientes para criar uma comunicação”, que se manifesta hoje (em um ambiente democrático) como “espaço de coabitação”, onde se negociam as individualidades e os valores comuns.

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