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Sete anos de Suíça

No dia 1 de abril de 2021 eu completei sete anos como imigrante na Suíça. O sentimento é de ter percorrido uma longa jornada com fases distintas. Foram anos de muito aprendizado, momentos dolorosos, mas que hoje me fazem nutrir um amor sincero por uma cultura bem diferente da brasileira.

Quando cheguei aqui em abril de 2014, além de trazer comigo o entusiasmo de uma recente experiência missionária no oeste africano, sentia a alegria de começar uma vida nova em Genebra: um lugar cheio de memórias incríveis com a minha agora esposa, Flavia.

Após a “lua de mel” dos primeiros seis meses, as diferenças culturais que antes eram vistas como riquezas, passaram a se tornar um peso difícil de suportar. Mesmo estando antes em Genebra, essa era a primeira vez que tinha o desafio da integração diante de mim, principalmente ligado à inserção no mercado de trabalho e ao aprendizado da língua local: o francês.  

Naquele momento, eu era constantemente questionado por me comportar de maneira diferente, ser fisicamente diferente e, em resposta, eu me esforçava ainda mais para não perder a minha identidade brasileira.

Os primeiros três anos foram o período mais difícil da minha vida na Suíça. Foi quando eu mais precisei buscar o equilíbrio entre preservar a minha identidade e estar disposto a negociá-la com a nova cultura em que estava imerso.

A dificuldade com a comida e o clima, o aprendizado de uma (ou mais) nova língua e as dinâmicas interpessoais completamente distintas foram os elementos mais difíceis de assimilar. Eles foram (e as vezes ainda são) causa de dor, frustração, ansiedade e, principalmente, solidão. 

Fazer comparações constantes com aquilo que tinha deixado para trás, tornou-se uma reação defensiva comum. A grande mudança aconteceu após esses primeiros três anos, quando voltei de férias para o Brasil.

O tempo vivendo distante fez com que eu perdesse a ligação orgânica que tinha com o meu país natal. O Brasil que conhecia tinha sofrido mudanças drásticas políticas e econômicas. Amigos e familiares viviam outras fases e muitos deles passaram a desconsiderar a minha visão do país, pelo simples fatos de não viver mais lá a tanto tempo. 

Foi então que começou o que eu chamo de “fase do vazio” em que nem somos ainda cidadãos da nossa nova pátria, nem podemos mais nos considerar cidadãos da pátria de origem.

O que pode parecer algo essencialmente ruim, na verdade foi uma janela que se abriu para um processo de integração mais profundo e livre de bloqueios interiores ligados à minha cultura original. Essa nova fase inaugurou uma dinâmica pessoal nova, menos preocupada em evidenciar diferenças e fazer comparações. 

Já há algum tempo eu comecei a nutrir um sentimento de orgulho e amor pela Suíça. Depois desse longo processo de amadurecimento interior, hoje é bem mais fácil entender as diferenças como riqueza e de assimilar os elementos da nova cultura à minha própria identidade.

É difícil saber o quanto eu estar imerso em um ambiente de aceitação e respeito contribuiu para a passagem dessas fases. O tempo é, sem dúvidas, um grande aliado.

O que posso dizer à partir da minha experiência pessoal é que muitas dessas dificuldades precisavam de um trabalho interior, bem mais do que a simples necessidade de aprovação/aceitação externa.

Sempre digo que a integração é um processo dramático, pois toca elementos constitutivos da nossa identidade. Contudo, por meio dela somos convidados a descobrir a nossa incrível capacidade de incorporar dimensões que vão muito além daquelas que nos originaram. 

É preciso querer, exige esforço, mas, sem sombra de dúvidas, vale a pena! 

Reconectar, Brasil

Voltar ao Brasil para reconectar

Eu nunca fiquei tanto tempo sem voltar ao Brasil. A culpa é da pandemia de COVID-19. Essa situação excepcional criou uma desconexão entre o “helvetismo” que cultivei como imigrante nos últimos seis anos e a brasilidade que carrego dentro de mim.

Na minha terra natal, eu sempre sou convidado a ver o mundo na perspectiva dramática do outro, muito por presenciar diariamente a miséria, a privação e o desamparo dos mais vulneráveis. Há muito tempo esses elementos não fazem mais parte do meu cotidiano.

A diferença entre realidades não só me afastou das dinâmicas constitutivas de quem eu sou, mas também me distanciou de alguns dos meus compatriotas. Para eles, sem a vivência, eu perco um componente chave para analisar a situação sócio-política brasileira. 

Daqui a exatas duas semanas, se tudo der certo, estarei de volta ao meu país. Mas dessa vez o mundo não é mais o mesmo. Estamos todos conectados pelas realidades impostas pela pandemia de COVID-19. Contudo, as feridas e o vazio que essa experiência tem causado de maneira diferente em cada um de nós precisam encontrar significado no desejo profundo de reconexão, de reencontro. Mesmo se com máscaras e distância física.

Crises são sempre oportunidades incríveis de avaliação interior. Foram nesses exercícios que eu entendi o quanto o outro é parte de mim e eu sou fruto do outro. É essa reconexão que estou indo buscar no Brasil para, quem sabe, me sentir novamente completo.

Protected: O menino Kofi

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Brasileiro, europeu e, agora, africano | Valter Hugo Muniz

africano
Começou a fase final da nossa experiência na África. Daqui há duas semanas pegaremos o avião rumo à Europa, deixando para trás um pouco de nós, do nosso “ser” africano, edificado nesse continente tão especial.
Ainda não é a hora de sínteses, mas certamente deixar Man, a Costa do Marfim, a África será a parte mais difícil da nossa viagem.
Aqui conhecemos um estilo de vida bem diferente do nosso, mas extremamente rico de relações e valores.

No Brasil, sou brasileiro

Conviver com diferenças é algo que já experimentei, diversas vezes, vivendo em uma cidade multicultural como São Paulo. Pessoas de classes sociais, culturas, raízes diferentes fazem da minha cidade um paraíso, para quem sabe apreciar o valor das diferenças.
Aqui em Man sinto-me privilegiado de novamente estar em contato com um “outro” tão diferente de mim. Nas semanas vividas aqui, procurei mostrar um pouco daquilo que descobri deste povo, ressaltando, sim, o positivo, mas tentando preservar um olhar crítico sobre os dilemas sociais que assolam essa cidadezinha a oeste da Costa do Marfim.
Como brasileiro, sinto-me um pouco mais africano. Estamos muito mais próximos culturalmente da África do que pode parecer, sobretudo quando se têm raízes familiares no nordeste brasileiro. Porém, precisamos estar mais abertos para abraçar essas semelhanças, culturais, religiosas…
O preconceito de cor ainda é uma triste realidade no Brasil. Mas porque todos ficam tão encantados ao ver o sorriso e o brilho no olhar de uma criança africana?

Na Europa, sou europeu

1658411_431167633680915_1223431505_oVivi bastante tempo na Europa e percebo, de maneira geral, um sentimento de superioridade cultural que sobrevive até os dias de hoje.
Essa mentalidade colonizadora reproduz preconceitos e impressões falaciosas do comportamento africano. Um exemplo: quando alguém está falando algo importante para um africano, é comum que eles abaixem a cabeça, como sinal de que estão escutando respeitosamente aquilo que está sendo dito. Porém, para muito europeus, isso significa (ou significou) uma submissão natural.
Acredito que o mal que a Europa fez no continente africano não poderá jamais ser reparado. A exploração colonizadora remodelou a sociedade africana de um modo em que não é possível voltar atrás.
Por outro lado, não serve mais culpar os brancos . É preciso trabalhar para construir uma “nova” África, a partir daquilo que se tem hoje.
Nelson Mandela e a sua mensagem de perdão são, sem dúvidas, os maiores instrumentos que os africanos têm hoje para levar esse maravilhoso continente ao protagonismo fundamental que ele precisa exercer no mundo.
Atualmente, muitas organizações européias, religiosas ou não, têm contribuído positivamente para a recuperação da dignidade humana na África. Deve-se, certamente, encontrar o equilíbrio necessário para que, acima de tudo, o desenvolvimento dos africanos seja edificado por eles.

Na África, sou africano

Essa é talvez a melhor descoberta que fiz aqui. Para estar na África, inculturar-se é fundamental ser africano. Isso inclui: comer com a mão, dançar, cantar, sorrir, lutar, mas, acima de tudo, é um viver a vida de maneira comunitária, sabendo que o indivíduo aqui é, enquanto parte de uma comunidade.
Ser africano, para mim, é ter um coração imenso e muitos músculos para caminhar longas distâncias, trabalhar. É viver uma vida difícil, mas digna e por isso, verdadeira.
Conversando com alguns médicos que vivem na África há dezenas de anos, soube que aqui a depressão praticamente não existe, como também os casos de suicídio. Estando nessas terras, entendo perfeitamente o motivo: Ninguém perde muito tempo consigo mesmo.
É o individualismo ocidental o grande motor das doenças psicológicas. Viver desprendidos das nossas raízes nos torna fracos. Viver em comunidade nos faz fortes.
A grande lição que levo da África para minha vida é que a felicidade está no viver junto, buscando partilhar cada coisa, “perder tempo com o outro” como estilo de vida.
Para conhecer o projeto “Juntos rumo à Africa”  CLIQUE AQUI

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