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Reflexões pós COP22

Daqui a pouco pego o avião de volta para casa após ter vivido minha segunda COP (conferência global onde governos discutem as estratégias para combater as mudanças climáticas). Diferentemente da primeira experiência, dessa vez estava mais por dentro das negociações e da importância em dar prosseguimento ao processo potencializado pelo Acordo de Paris, no ano passado. Porém, como grande parte dos jovens da minha geração, tive dificuldade de não projetar minhas expectativas de sucesso nos negociadores reunidos em Marrakesh.

As conferências organizadas pelas Nações Unidas são em si mesma uma excelente escola. Esses espaços políticos de diálogo permitem SIM decisões importantes, mas eles não passam do terraço de um edifício que precisa ser construído com as bases nas comunidades e no protagonismo individual de cada cidadão desse planeta.

Recentemente escrevi em um blog para organização em que trabalho onde enfatizei que, quando você entra em contato direto com as comunidades que já estão sendo afetadas pelo pelos efeitos da mudança climática, é bem mais fácil entender o senso de urgência, pois se tratam, acima de tudo, de seres humanos como todos nós. Consumir desenfreadamente, acumular, não partilhar, desperdiçar, são verbos que têm construído a preocupante narrativa que estamos escrevendo para o nosso planeta. Contudo, a natureza não perdoa e, cedo ou tarde, ela vai nos obrigar a mudar nosso estilo de vida.

Novos paradigmas precisam nascer do indivíduo, encontrar força na comunidade local/regional, até chegarem aos governantes como parte de um movimento crescente. Não dá para achar, burramente, que o mundo vai mudar graças a boa vontade de alguns engravatados reunidos por duas semanas em algum canto do mundo. Coexistência sustentável é um processo difícil e desafiador. É uma luta que exige o esforço conjunto de todos, onde ninguém pode ser deixado para trás.

Volto para casa mais consciente do meu papel individual, mas também da minha responsabilidade comunitária. Quero continuar trabalhando na sensibilização de pessoas e governos para alertá-los que a mudança climática ainda vai ter um impacto dramático em nossas vidas. Agora é uma questão de justiça para com as comunidades mais vulneráveis. Em alguns anos será uma questão de sobrevivência para todos nós.

COP21: A primeira vez que experimentei um mundo unido

Raríssimas vezes eu tive a possibilidade de presenciar, fisicamente, um momento histórico. Entretanto, daqui a alguns anos, quando olhar para o passado, vou lembrar com um sorriso gostoso o dia 12 de dezembro de 2015, dia do Acordo de Paris em relação as mudanças climáticas. A COP21 foi a primeira ocasião na história moderna que se chegou a um acordo realmente global.

A preocupação internacional em relação ao futuro do planeta levou os representantes de quase todas as nações da terra a se reunirem na Cidade Luz em ocasião da  21a Conferencia do Clima. Há exatamente um mês Paris chorava as vítimas de um terrível atentado. O que parecia ser o começo de um período de « sombras », um mês depois se transformou em alegria, entusiasmo, esperança de um melhor melhor. Um precedente histórico fundamental em um ano marcado pela violência e o descaso com as vidas inocentes.

12339468_10153716831764831_5517811692552098286_oE eu estava lá, com a delegação da ACT Alliance , organização que tinha como principal objetivo garantir que o acordo respeitasse as pessoas mais vulneráveis, principais vítimas das mudanças climáticas. Vídeos e mais vídeos, entrevistas, partilhas. Sei que a minha participação não foi a grande responsável pelo inédito consenso, mas nenhuma ação individual bastaria.

Um dos meus professores de mestrado dizia que uma verdadeira revolução necessita de duas coisas: líderes com vontade e coragem de mudar e uma sociedade civil consciente e participativa, capaz de dar legitimidade as possíveis mudanças politicas. Foi isso o que aconteceu nas ultimas duas semanas em Paris. O clima na minha delegação, mas também em toda a Conferência era de uma serenidade alegre, de respeito e escuta, elementos-chave que, segundo eu, nos levaram ao tão sonhado acordo.

Ele não é perfeito. Ninguém esperava que fosse, mas é uma vitória que não pode ser desprezada. Fiquei emocionado ontem ao ouvir os discursos e sorrisos dos representantes dos países ao final da COP21. De alguma forma me senti parte daquela conquista. Doei meus talentos, energia e horas de sono porque acredito no diálogo como instrumento em prol do bem comum. Por duas semanas pude experimentar, pela primeira vez fora do ambiente religioso, que um mundo melhor é possível. No entanto, ele vai sempre depender da vontade de cada um querê-lo e buscá-lo.

Paris: Talvez eu estaria entre as vítimas

Ontem foi difícil dormir. E não foi porque estava atordoado com a repetição exaustiva das mesmas imagens, à lá Cidade Alerta, pela televisão francesa. Também não foi porque estava com medo, mas por me dar conta de que, se os atentados tivessem ocorrido duas semanas mais tarde (quando estarei em Paris para o COP21), talvez eu estaria entre as vítimas.

Dar-me conta dessa possibilidade tornou o drama dos mais de cem mortos na capital francesa, um pouquinho mais “meu”. Seria eu a deixar a esposa viúva, os familiares com o coração dilacerado, os amigos revoltados. A dor dos meus iria além dos números. 20, 30 50, 100 mortos. Entre eles estaria o Valter Hugo, brasileiro, 31 anos, funcionário de uma organização internacional de Genebra, repleto de sonhos, mas com um fim triste.

Com esse exemplo gostaria de mostrar que no instante em que a tragédia alheia ganha um rosto, uma história, uma identidade, conseguimos imediatamente nos sensibilizar, não importa quão distantes estamos dela. Ouvir que centenas de refugiados estão morrendo diariamente na desesperada travessia do Mediterrâneo não nos comove, até que, entre eles, vemos o corpo de uma criança, pequena, frágil, inerte em uma praia grega. Isso nos faz sentir mal.

Refugiados, imigrantes, muçulmanos fundamentalistas… parece que toda generalização desumaniza. Não são 150 corpos em Paris, 40 em Beirute, além dos milhares na Síria, na Palestina, no Burundi… são seres humanos, com histórias, família e amigos, como todos nós.

O que acontece é que, infelizmente, muitas sociedades decidiram abrir mão dos laços comunitários que ligam efetivamente os indivíduos em um mesmo espaço físico. Família e religião, por exemplo, dois guardiões dos valores fundamentais da pessoa humana são atacados pelos “fundamentalistas do Estado Laico”, que como os grupos terroristas, não admitem nenhuma forma de diálogo com quem não compactua com as suas meias verdades.

Governos e governantes que se consideram embaixadores dos direitos humanos, mas que fecham os olhos para os seus “iguais” que estão morrendo diariamente tentando fugir das guerras promovidas pela ganância desses mesmos “guardiões da humanidade” não podem simplesmente se fazerem de vítima. Quem está vendendo as armas para os grupos terroristas? Quem está explorando o petróleo de suas terras? Quem está sustentando ditaduras em troca de benefícios comerciais? Quem está impedindo a liberdade de culto dos não cristãos? Quem está humilhando outras culturas, defendendo-se com a incorruptível liberdade de expressão?

Não quero ser insensível nesse momento de comoção mundial, mas é hora de olhar para essas tragédias, não só as europeias, mas as mundiais, com a maturidade necessária. Sem um exame de consciência pessoal e comunitário não dá para resgatar a Humanidade perdida no processo de desenvolvimento econômico, que exterminou o valor do outro, essencialmente diferente.

E, finalmente, enquanto continuarmos querendo enfrentar o terrorismo com mais ódio, armas e declarações de guerra ou mesmo com a “indiferença do dia seguinte”, vamos estar arriscando tudo, nosso futuro e a Paz.

Quem paga a conta da crise econômica na Suíça ?

É verdade ! Nós brasileiros precisamos nos liberar do tal « Complexo de Vira-Lata » quando nos comparamos aos países considerados desenvolvidos. Todo país tem problemas e o caminho rumo ao bem-estar social é muito menos linear do que a maioria pensa. Mudanças culturais não podem ser impostas « verticalmente », mas devem ser internalizadas de maneira transversal por cada cidadão. Claro que o Governo tem um papel importante em liderar e orientar essas mudanças, mas a aceitação e a adoção cotidiana delas dependem de cada um de nós.

Esse parágrafo introdutório é fruto de uma reflexão feita nos últimos dois dias. Vivendo na Suíça, um dos países mais ricos e desenvolvidos da Europa, tenho a oportunidade de observar as decisões políticas de outro ângulo. O caso mais curioso é a greve dos funcionários públicos do « estado » de Genebra esta semana. O motivo é simples: precisando economizar aproximadamente 700 milhões de francos (2,6 bilhões de reais), o Governo local apresentou orçamento para 2016 com cortes drásticos que afetarão particularmente a vida dos funcionários públicos, que discordam com veemência da decisão. Ontem, cerca de 11 mil pessoas tomaram as ruas do centro da cidade de Genebra exigindo uma revisão e um diálogo aberto com os trabalhadores.

Conheço bem esse filme: em momentos de crise que impulsionam uma expressiva diminuição dos gastos, quem são os primeiros a pagar a conta no Brasil? Os professores. Claro que, no caso da crise de Genebra, o corte de 5% dos funcionários se estende a todo o setor público, mas incluir os profissionais da educação nesse processo pode gerar consequências dramáticas a longo prazo.

É importante também ressaltar que, comparado aos outros « estados » Suíços, os funcionários públicos de Genebra ganham mais e trabalham menos. Por outro lado o custo de vida, impulsionado pela presença da comunidade internacional (funcionários da ONU e diplomatas, que têm privilégios fiscais) é extremamente alto.

A conclusão é simples. Com menos entradas e mais custos, as contas não batem e o Governo precisa tomar decisões impopulares. A minha pergunta, porém, é a seguinte: Porque em vez de empurrar esses custos « goela abaixo » da população, o Governo não estuda uma diminuição dos benefícios fiscais das agências da UN e representações diplomáticas?

O desafio da síntese cultural na integração como imigrante

Há mais de um ano experimento “na pele” o que significa ser imigrante. A decisão de deixar meu país e abrir mão, além da minha família e amigos, da minha língua, da cultura e do clima, teve consequências profundas na maneira como eu me relaciono comigo mesmo e com os outros.

A primeira obrigação de quem imigra é integrar-se. Contudo, integração é um processo traumático. Para entrar completamente em uma outra cultura é preciso, antes de tudo, aceitar as limitações de ter de se expressar em uma língua que não é a sua, se conformar com sabores que não está acostumado e aprender a suportar climas até antes desconhecidos. Língua, comida e clima são para mim a « tríplice dinâmica » que, por primeiro, incide diretamente na identidade do imigrante. Passada essa primeira “fase” surge o desafio ligado às dinâmicas sociais: burocracia, leis, hábitos, preconceitos, ignorância, formas de viver e ver o mundo as vezes completamente opostas.

Claro que no meu caso o impacto foi menor. Além estar casado com uma cidadã do país em que vivo atualmente, somando as experiências anteriores, esse é o meu sexto ano fora do Brasil. Tive o privilegio de ter vivido com pessoas de culturas diferentes da minha, conhecido o continente asiático e o africano. Entretanto, é a primeira vez que vivo no estrangeiro sem data de retorno. Como imigrado, trabalhar, pagar impostos, lidar diariamente com hábitos são partes de uma experiência realmente inédita.

Tudo bem, mas como eu me sinto diante disso tudo? Estranho. Por mais que tenho todas as condições ao meu favor, ainda sofro com as diferenças relacionadas as dinâmicas sociais. Estar integrado em um país que privilegia, a todo custo, a ordem, o planejamento, a segurança a longo termo e o respeito, colapsa com meu jeito “brasileiro de ser”, onde a ginga e o samba exprimem bem a vida que eu tinha, baseada em criatividade, capacidade de improvisar e nas relações.

Não acho que a vida no Brasil é melhor. Não vou ser hipócrita. Mas, o Brasil é a nação em que forjei minha identidade e, mesmo com graves problemas, será sempre a minha pátria.

Aqui, do outro lado do Atlântico, tenho me esforçado para chegar a tal “síntese cultural”, que vai me ajudar a viver integrado, mas sem renunciar completamente ao meu “Brasil interior”.

Admito que esse tem sido um grande desafio. As vezes interiormente dolorido. Por outro lado, tem me feito mais forte, resistente e consciente de que tudo é caminho, processo. E é preciso ter paciência.

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