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Experiências vividas no continente africano

Protected: O menino Kofi

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Brasileiro, europeu e, agora, africano | Valter Hugo Muniz

africano
Começou a fase final da nossa experiência na África. Daqui há duas semanas pegaremos o avião rumo à Europa, deixando para trás um pouco de nós, do nosso “ser” africano, edificado nesse continente tão especial.
Ainda não é a hora de sínteses, mas certamente deixar Man, a Costa do Marfim, a África será a parte mais difícil da nossa viagem.
Aqui conhecemos um estilo de vida bem diferente do nosso, mas extremamente rico de relações e valores.

No Brasil, sou brasileiro

Conviver com diferenças é algo que já experimentei, diversas vezes, vivendo em uma cidade multicultural como São Paulo. Pessoas de classes sociais, culturas, raízes diferentes fazem da minha cidade um paraíso, para quem sabe apreciar o valor das diferenças.
Aqui em Man sinto-me privilegiado de novamente estar em contato com um “outro” tão diferente de mim. Nas semanas vividas aqui, procurei mostrar um pouco daquilo que descobri deste povo, ressaltando, sim, o positivo, mas tentando preservar um olhar crítico sobre os dilemas sociais que assolam essa cidadezinha a oeste da Costa do Marfim.
Como brasileiro, sinto-me um pouco mais africano. Estamos muito mais próximos culturalmente da África do que pode parecer, sobretudo quando se têm raízes familiares no nordeste brasileiro. Porém, precisamos estar mais abertos para abraçar essas semelhanças, culturais, religiosas…
O preconceito de cor ainda é uma triste realidade no Brasil. Mas porque todos ficam tão encantados ao ver o sorriso e o brilho no olhar de uma criança africana?

Na Europa, sou europeu

1658411_431167633680915_1223431505_oVivi bastante tempo na Europa e percebo, de maneira geral, um sentimento de superioridade cultural que sobrevive até os dias de hoje.
Essa mentalidade colonizadora reproduz preconceitos e impressões falaciosas do comportamento africano. Um exemplo: quando alguém está falando algo importante para um africano, é comum que eles abaixem a cabeça, como sinal de que estão escutando respeitosamente aquilo que está sendo dito. Porém, para muito europeus, isso significa (ou significou) uma submissão natural.
Acredito que o mal que a Europa fez no continente africano não poderá jamais ser reparado. A exploração colonizadora remodelou a sociedade africana de um modo em que não é possível voltar atrás.
Por outro lado, não serve mais culpar os brancos . É preciso trabalhar para construir uma “nova” África, a partir daquilo que se tem hoje.
Nelson Mandela e a sua mensagem de perdão são, sem dúvidas, os maiores instrumentos que os africanos têm hoje para levar esse maravilhoso continente ao protagonismo fundamental que ele precisa exercer no mundo.
Atualmente, muitas organizações européias, religiosas ou não, têm contribuído positivamente para a recuperação da dignidade humana na África. Deve-se, certamente, encontrar o equilíbrio necessário para que, acima de tudo, o desenvolvimento dos africanos seja edificado por eles.

Na África, sou africano

Essa é talvez a melhor descoberta que fiz aqui. Para estar na África, inculturar-se é fundamental ser africano. Isso inclui: comer com a mão, dançar, cantar, sorrir, lutar, mas, acima de tudo, é um viver a vida de maneira comunitária, sabendo que o indivíduo aqui é, enquanto parte de uma comunidade.
Ser africano, para mim, é ter um coração imenso e muitos músculos para caminhar longas distâncias, trabalhar. É viver uma vida difícil, mas digna e por isso, verdadeira.
Conversando com alguns médicos que vivem na África há dezenas de anos, soube que aqui a depressão praticamente não existe, como também os casos de suicídio. Estando nessas terras, entendo perfeitamente o motivo: Ninguém perde muito tempo consigo mesmo.
É o individualismo ocidental o grande motor das doenças psicológicas. Viver desprendidos das nossas raízes nos torna fracos. Viver em comunidade nos faz fortes.
A grande lição que levo da África para minha vida é que a felicidade está no viver junto, buscando partilhar cada coisa, “perder tempo com o outro” como estilo de vida.
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Um mês saboreando um pouco da cultura africana da Costa do Marfim

Costa do Marfim

Já estamos – eu e a minha esposa – há mais de um mês na África, sendo que a “nossa África” é um belo pais tropical do oeste do continente: a Costa do Marfim.
Neste primeiro mês, mergulhamos na cultura marfinense e vivemos cada dia com uma intensidade assustadora. Só agora sinto possuir alguns instrumentos que me ajudam a transformar preconceitos em constatações.
Claro que, mesmo assim, o tempo que passamos aqui é ainda muito reduzido para sínteses com “propriedade”. Mas, acredito que, quando os conceitos são baseados em relações, importa menos o passar de horas do tempo cronológico e mais a forma como se entra em sintonia com “o outro”.

Entre meias verdades

Os marfinenses são submissos aos “brancos”?
A África é o continente da acolhida?
Os conflitos existentes no continente africano são todos consequência da exploração colonial?

Conversando com um senhor africano sobre a situação atual da África em geral, pude perceber que, como no Brasil (e na América Latina como um todo), os cidadãos africanos estão à procura de sua identidade, com crescente consciência e maturidade histórica.
Infelizmente, como acontece em grande parte dos lugares que foram consumidos pela ganância de seus colonizadores, no continente africano ainda existe um profundo deficit social. Assim, sem dúvidas, os tempos serão diferentes. Uma angolana me confidenciou sua impressão: “Saímos há pouco tempo das cabanas”, acrescentando que só agora a África pode descobrir, de maneira parcialmente livre, as possibilidades provenientes do desenvolvimento material.
Claro que, no mundo globalizado, surgem também novas questões. Aumenta-se a circulação de pessoas diferentes, bens de consumo e, desta forma, cada nação africana deve encontrar o seu caminho (e o equilíbrio), para depois buscar um destino comum no continente.

Continente da acolhida?

Aqui na Costa do Marfim, de maneira geral, percebi que as pessoas são pouco afetuosas. Nada de abraços, beijos em público, nem mesmo entre pais e filhos ou entre casais. Paradoxalmente, é incrível como o povo daqui é acolhedor.
Na primeira vez que fui ao nordeste do Brasil fiquei impressionado com a acolhida generosa e a preocupação “cultural” para que eu, o visitante, me sentisse bem. Aqui na Costa do Marfim eu sinto a mesma coisa. Os marfinenses são muito acolhedores e querem que sempre nos sintamos bem.
Porém, as vezes me pergunto se essa acolhida é realmente sincera, natural, ou uma espécie de “resquício de submissão cultural”. Conversando com meu amigo africano pude perceber que não é nem uma coisa nem outra, mas uma mistura das duas.
É verdade que, como estrangeiros “não africanos” somos, sim, tratados de maneira diferente. Porém, isso não quer dizer que exista algum tipo de preferência ou submissão. Entre os estrangeiros da África também existe o cuidado com a acolhida, o que é difícil perceber estando fora das dinâmicas sociais.
Claro que, por outro lado, quando existe má intenção ou conflitos internos essa acolhida se desfaz. “Os africanos não são burros”, disse o meu amigo, mas, em linhas gerais, no contato com alguém que vem “de fora” e que precisa de ajuda, os africanos são sempre muito acolhedores.

Man e as cores escondidas nas nuvens da rotina

Man

Três semanas vividas em Man. Nesse pedaço de África Ocidental, são inúmeras “as cores escondidas nas nuvens da rotina”. Algumas cores nós conseguimos perceber, outras, certamente, passam batidas, por conta da nossa visão limitada das coisas e pessoas. Também não são nuvens provenientes do Harmattan’ (vento sazonal que ocorre durante o inverno no hemisfério norte e forma aqui uma nuvem de poeira sufocante e que entra por toda parte) que devemos superar para “enxergar” melhor, mas, principalmente, a desconfiança daqueles que ainda não nos conhecem.

Descobrindo Man

Nessa cidadezinha com escassos recursos e uma visível ausência do Estado viver bem, tanto para os marfinenses quanto para os visitantes, é um desafio cotidiano. Ruas repletas de lixo, ausência de um sistema de saúde e de organização do trânsito levam à disseminação de doenças, negligência no tratamento da saúde da população e muitas mortes por acidente automobilístico.
Esses são alguns dos tantos problemas pontuais, contudo, o que causa mais espanto, mas é certamente compreensível, é a descrença orgânica nos governantes e, por consequência, em tudo aquilo que está ligado ao governo, como os hospitais (que, muitas vezes, tratam somente aqueles que podem pagar), por exemplo.

Caos não é sinônimo de violência

Em Man o caos organizacional não impulsiona um tipo de anarquismo social. O que poderia talvez levar ao desrespeito e à violência crônica, paradoxalmente, produz um clima de respeito e gentilezas.
Um fator interessante é que aqui não existem extremos sociais: ou se é pobre ou muito pobre. Em uma família pobre, um dos membros tem, provavelmente, um trabalho formal e pode viver em uma casa como as nossas no “Ocidente”. Em contrapartida, deve ajudar os familiares mais necessitados. Já os “muito pobres” abrigam, em suas casas, famílias enormes, que vivem no espaço ao redor, com sala, cozinha e banheiro ao ar livre e somente os quartos em uma construção de tijolo, coberta por telhas.

Uma lição do que é o respeito

Existe miséria em Man? Sim. Mas não é nenhuma surpresa para mim, que cresci no país que figura entre os protagonistas das maiores desigualdades sociais do mundo. Porém, aqui, mesmo diante de uma pobreza extrema, existe um respeito social bem maior do que eu encontrei na minha cidade natal, São Paulo. Não se ouve gritaria nas ruas, nem se vê “empurra-empurra” no transporte público. Em Man as pessoas sorriem da escassez material, no Brasil se mata.
Claro que tudo tem dois lados e essa convivência pacífica acaba também promovendo um certo comodismo social, estagnando o desenvolvimento. Mas, em Man, vejo pessoas mais “leves”, que não criam complicações de raízes materiais.

As cores nas nuvens da rotina

Nesta cidade e, principalmente, no convívio com esse povo rico de valores e tradições, sinto uma alegria genuína, que experimentava quando trabalhava, voluntariamente, preparando e servindo comida aos moradores de rua de São Paulo.

No “Rango” – como era conhecida a atividade social – sentávamos no chão e brincávamos com as crianças, comíamos junto aos moradores de rua e, nessa igualdade, ou melhor, fraternidade, descobríamos seres humanos maravilhosos, com suas dores e alegrias, como todos nós.

Na África, o convite parece ser o mesmo, superar a aparência, abandonar preconceitos e esquemas psicológicos, para mergulhar no outro e descobrir as inúmeras “cores escondidas nas nuvens da rotina”.

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