choque

O mesmo direito que temos, como cidadãos, de protestar nossa insatisfação e exigir do Estado soluções, o governo tem de justificar suas decisões (mesmo que, neste caso, qualquer decreto pode ser questionado “pacificamente” pelo povo).

Essa dinâmica dialógica, grande conquista da democracia, coloca o direito de expressão como um elemento fundamental no “krátos” do povo, mesmo se, geralmente, esquece-se que qualquer direito incute uma responsabilidade.

Dessa forma, a tensão entre governo e população é legítima. Qualquer insatisfação popular deveria, contudo, servir como possibilidade de crescimento do diálogo, oportunidade de aproximação do povo às dinâmicas políticas, que, infelizmente, no contexto brasileiro, se resumem ao voto.

O que, porém, é inadmissível, em ambas as partes, é o uso da violência. Nenhuma causa, ou defesa dela, se justifica com a força. Essa atitude primitiva e ideológica representa um retrocesso diante de tudo aquilo que foi conquistado.

A luta no período da Ditadura Militar para que, hoje, vivamos nesta democracia (por pior que possa ser) já teve os seus mártires. Por isso, não é necessário repetir esse tipo de confronto, completamente descabido no contexto atual, mas desenvolvê-lo de outras maneiras, mais inteligentes.

E não digo que os jovens não devam lutar, pois acredito que realmente é fundamental. A minha crítica é em relação ao modelo, à postura destrutiva, que só causa alvoroço, faz vítimas e sacramenta o que todo mundo já sabe: São Paulo é uma cidade desumanizada.

Não preciso ir a nenhuma manifestação para saber disso. Não preciso tomar gás de pimenta nos olhos ou bala de borracha no corpo. Viver nesta cidade, nos dias de hoje, morar ao lado da Crackolândia, ser filho de professor de escola pública e não poder caminhar com tranquilidade nas ruas do centro são motivos suficientes para que eu me responsabilize e faça alguma coisa pela cidade!

Quem acha que a tomada das ruas é importante, faça! Divirta-se! Mas, sinceramente, não pense que isso basta para mudar a cidade, o país. Essa ideologia foi construída com objetivos políticos específicos.

Não meus queridos! Mudar a cidade exige outras coisas! Lutar pela igualdade social, sem perder a sensibilidade para com os mais necessitados; abrir mão da maconha que sustenta o tráfico de drogas; respeitar os idosos no transporte público; tolerar o “Outro”, completamente diferente; não jogar lixo nas ruas; não beber e dirigir, para não arrancar o braço de ciclistas; não compactuar com o fenômeno do consumismo… Enfim, para mudar a cidade, o país, antes de tudo, é importante mudar a si mesmo.

Contudo, isso não tira a importância coletiva de uma “luta”. A passeata dá visibilidade à causa e mostra ao poder público que existem muitos insatisfeitos.

É aqui que a violência descabida do Estado tem agido de maneira escandalosa. O que a Polícia Militar  – que não deveria existir – tem feito em São Paulo é um crime horroroso! Mas ela tem agido assim, cotidianamente, exterminando jovens nas periferias, compactuando com a corrupção. O fato é que, agora, ela está batendo nos filhos da Classe Média, então o “mal é maior”.

Para mim, a metodologia da Polícia Militar, principalmente do Choque, é a expressão máxima da desumanização da cidade, decorrente de uma administração pública incompetente que,  há 20 anos, com seus prefeitos e governadores, de direitas e esquerdas, tem transformado a capital econômica do Brasil no antro da violência cotidiana.

Como mudar à sociedade de maneira eficaz? Como humanizar a Polícia Militar para que ela esteja a serviço da população? Como desenvolver uma prática de atuação política construtiva? Como regulamentar a ação da Mídia para que ela não esteja sujeita às manipulações ideológicas? Tantas perguntas. Poucas respostas prontas.

O que é certo, vendo vídeos, lendo depoimentos e observando fotos, é que a força da revolta contra o Estado e a descabida resposta violenta não são por conta dos 20 centavos à mais nas passagens de ônibus e metrô. Aqui cabe um questionamento antropológico, filosófico, religioso, em que os jovens, novamente, podem ser simples marionetes ideológicos ou verdadeiros protagonistas da mudança.